O treinamento de jogadores e equipes de futebol tem se apoiado em uma série de premissas que sustentam há tempos teorias constituintes das Ciências do Desporto.
Como já pontuei outrora, cada vez mais, na busca pela especificidade das cargas de treino e de resultados de altíssimo nível, novas premissas vêm apontando para caminhos pouco explorados no desenvolvimento da performance de jogadores e equipes de futebol.
Hoje, mundialmente, várias são as frentes de pesquisas que estão em busca do melhor entendimento do jogo de futebol a partir das teorias da complexidade. E como se não bastassem as pesquisas (e realmente e obviamente, não bastam!) equipes de futebol européias tem reforçado na prática com suas conquistas e treinamento de alto nível, a necessidade de um entendimento da totalidade que envolve a preparação do futebolista.
Então, apesar de no Brasil tal idéia parecer engatinhar na prática dos clubes de futebol e andar vagarosamente nos centros de referência e pesquisas, em alguns outros países a consciência da necessidade de se entender o jogo em todas as suas dimensões de maneira transdisciplinar há tempos vem suplantando “antigos-novos” “pensamentos-barreiras” enraizados em um plano cartesiano sem fim.
E em quanto onde se engatinha, a busca está ainda em entender como treinar o jogo jogando, onde se anda a passos largos as buscas se centram cada vez mais no entendimento complexo do que é o jogo transcendendo seu significado comum.
Existem ainda muitas coisas para se descobrir, assim como existem muitos equívocos acontecendo na prática em função desse “à descobrir” (e também, inevitável, em função do mau entendimento daquilo que as teorias dizem).
Uma coisa que venho discutindo há algum tempo é a “crença” de que o jogo (ao se treinar jogadores e equipes “jogando”) por si só a partir de suas regras, seria capaz de gerar respostas adaptativas e ganhos (em todas as dimensões da preparação do jogador – físico-técnico-tático-psicológica) na performance desportiva de jogo. É claro que não!
Balbino (2005) já chamava a atenção para o fato de que a ação do treinador transecenderia o método. E isso não significa que o método não é importante; isso significa que o método por si só não garante êxitos se ação de quem o conduz não estiver voltada para aquilo que se quer alcançar.
Recentemente, Rampini et al (2007) mostrou em seu trabalho sobre fatores que poderiam influenciar as respostas fisiológicas de jogadores em treinamento de futebol a partir de jogos em espaços reduzidos, que a comunicação verbal com caráter “orientador” e “encorajador” por parte do treinador nos treinamentos pode alterar tanto a dinâmica quanto a resposta fisiológica de jogadores presentes nesses jogos.
Isso não quer dizer que ficar se “esgoelando” na beira dos “mini-campos” nos treinamento, dizendo o que o jogador deve fazer, levará a um desempenho de jogo melhor. O significado disso é que a atuação do treinador requer intervenções que sejam condizentes com os objetivos dos jogos, construídos a partir de regras específicas, e que contribuam para a melhor compreensão dos jogadores sobre o significado de suas ações no jogo, dando-lhes autonomia para tomar decisões.
Em outras palavras, a ação do treinador tem que, em conjunto com o jogo, potencializar os objetivos que serviram de parâmetro para a construção dessa ou daquela sessão de treino, desse ou daquele jogo em espaço reduzido.
A Fisiologia do Esporte, especialmente fora do Brasil, tem buscado se transformar em Fisiologia do Jogo; tentando entendê-lo melhor. Exemplos como o trabalho mais recente de Hill-Hass et al (2009) – analisando as respostas fisiológicas e a movimentação de jogadores de futebol S17 em treinamento a partir de jogos em espaços reduzidos – tem sido cada vez mais freqüentes.
Infelizmente em diversas áreas das Ciências do Desporto (e em outras também!) falta a compreensão de que a teoria só faz sentido se ela também for “a prática” (e também “à prática”), unidas em uma coisa só, dando significado uma a outra.
Não precisamos de respostas para perguntas que não fazem sentido. Não precisamos de respostas para perguntas que não foram àquelas que fizemos.
A prática tem que ser “praxis”, e a teoria… bom, a teoria também…
Trabalhos mencionados no texto:
BALBINO, HF. A pedagogia do treinamento: método, procedimentos pedagógicos e as múltiplas competências do técnico nos jogos desportivos coletivos. Tese de Doutorado. 2005. Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas.
RAMPININI E; IMPELLIZZERI FM; CASTAGNA C; ABT G; CHAMARI K; SASSI A; MARCORA SM. Factors influencing physiological responses to small-sided soccer games. Journal of Sports Sciences, 25(6): 659-666, 2007.
HILL-HAAS, SV; DAWSON, BT; COUTTS, A; ROWSELL, GJ. Physiological responses and time-motion characteristics of various small-sided soccer games in youth players. Journal of Sports Sciences, 27(1): 1-8, 2009.
Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br