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Para entender a essência e a importância de se combater o doping financeiro, conforme será tentado pela Uefa, é preciso, antes de qualquer coisa, entender a lógica econômica básica e intermediária do futebol.

Vamos a ela, em cinco fáceis etapas: 1) clubes de futebol existem fundamentalmente para disputar e ganhar partidas; 2) o time que tiver melhores jogadores, tem maiores chances de ganhar seus jogos; 3) times disputam entre si os melhores jogadores; 4) o maior incentivo de um jogador tende a ser dinheiro; e, portanto, 5) quanto mais dinheiro um time gastar, melhor será seu time, logo, maior será a probabilidade de ganhar seus jogos.

Pronto. Economia do Futebol Básica. Partamos agora para a parte intermediária.

Três fatores principais, dentre outros menos importantes, influenciam a capacidade de um time gerar receita: 1) o ambiente econômico da região em que ele está localizado; 2) o número de torcedores que ele tem; e 3) a ligação que ele consegue estabelecer com seu torcedor. Existe, no mercado brasileiro em especial, outro fator, que é a capacidade do clube de revelar jogadores, mas, por conta do espaço da coluna, esse fator será devidamente ignorado.

Portanto, quanto mais rica e desenvolvida for a região na qual o clube se localiza, mais dinheiro haverá disponível para ser aplicado na agremiação, seja pelo potencial de consumo do torcedor ou pela atratividade mercadológica gerada pelo instituição esportiva. Mas isso pouco adianta se o clube não tiver um bom número de torcedores, ou que não consiga estabelecer relações mais significativas com eles como, por exemplo, pouco público no estádio ou pouca vontade desse público em adquirir produtos diretamente ou indiretamente ligados ao clube.

Esses três fatores aplicados à lógica econômica do futebol criam a heterogeneidade competitiva. Clubes que se beneficiam por esses fatores, portanto, têm mais chances de vencer partidas e, consequentemente, conquistar mais títulos.

A etapa 1 da lógica econômica, entretanto, faz com que clubes menos favorecidos economicamente façam o possível para superar essa desvantagem financeira e ambiental. Para tal, normalmente, eles podem fazer duas coisas: 1) pegar um empréstimo, arriscando o futuro financeiro do clube, caso a vitória não venha ou não gere o resultado econômico esperado – dois casos bastante freqüentes; ou 2) deixam de pagar alguém, o que acarreta em um processo de falência – em mercados mais racionais do que o brasileiro – ou complica severamente o clube no longo prazo.

Esse é, em suma, o doping financeiro do futebol. Simples assim. Se no doping fisiológico o atleta usa uma energia a qual ele não teria por processos naturais, no doping econômico o clube gasta um dinheiro que ele também não teria por processos naturais.

Ambas as práticas, logicamente, precisam ser combatidas. Por isso, é importante ressaltar a atitude da Uefa, naquilo que ela denominou como ‘financial fair play’, ou ‘jogo limpo financeiro’. A Uefa, que já vem a certo tempo entrando num processo de maior controle sobre a saúde financeira dos clubes por meio do Uefa club licensnig system, possui a filosofia, os instrumentos e a tecnologia para esse tipo de controle. Coisas que dificilmente um órgão governamental do futebol brasileiro possui. E é por isso que, por mais que ele seja um projeto importantíssimo para a sustentabilidade do futebol brasileiro, dificilmente vai pegar, pelo menos de imediato.

Clubes no mundo inteiro, inclusive aqueles pertencentes à Uefa, são historicamente ótimos em criar mecanismos para burlar restrições. No Brasil, então, nem se fala. Basta estudar a época do ‘profissionalismo marrom’. O futebol no país não tem nem uma década de balanços auditados. É um tanto quanto otimista, portanto, achar que clubes iriam obedecer a essa restrição que seria, essencialmente, controlada pela publicação do balanço. Otimista e ingênuo.

Além do quê, para o jogo ser realmente limpo financeiramente por aqui, outras medidas corretivas precisam ser tomadas antes. Afinal, qual a legitimidade de um clube no Brasil cobrar outro por doping financeiro se as cotas dos direitos de televisão aberta são distribuídas da maneira que são? Aliás, existe algum tipo de doping financeiro maior do que a distribuição da cota de televisão aberta no país, que se baseia em critérios que são tão antigos e obsoletos quanto o próprio profissionalismo marrom?

A pergunta é retórica. De qualquer maneira, a resposta é não. Não existe. E as cotas de televisão vão continuar do jeito que estão, porque quem tem o poder pra mudar são justamente aqueles que são mais beneficiados por ela, que são também aqueles que mais se beneficiam pelos três fatores citados acima. E, curiosamente, são justamente os que aparentemente têm mais aplaudido a ideia do jogo limpo financeiro divulgada pela Uefa.

Por melhor que o projeto do jogo limpo financeiro seja, a sua implementação pura e simples no Brasil está destinada a fazer dele uma regra a ser burlada e ignorada. O problema financeiro do futebol brasileiro é muito maior. O desequilíbrio é mais extenso. O buraco, enfim, é mais embaixo. E, para melhorar a situação, vai ter que cortar a própria pele. E isso não vai ser tão simples.

Afinal, no dos outros, é sempre refresco.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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