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Se uma pessoa tem um terço dos rendimentos de outra, a lógica é que as duas não possuam o mesmo padrão de vida. O mesmo vale para empresas: companhias com faturamentos muito diferentes também não podem (ou não deveriam) equiparar seus investimentos. Parece simples, mas o futebol brasileiro continua ignorando esses axiomas. E o equilíbrio em campo, uma das principais marcas positivas do esporte local, tem relação direta com isso.
É o caso do Atlético-MG, que fechou a temporada 2014 com um faturamento de R$ 178,9 milhões (os dados referentes a 2015 serão publicados apenas em abril). Um ano depois da conquista da Copa Libertadores, as despesas da equipe alvinegra subiram de R$ 154,9 milhões para R$ 199,5 milhões, o que ajudou a levar o prejuízo operacional de R$ 22,5 milhões para R$ 48,4 milhões. A dívida total dos mineiros é de R$ 486,6 milhões.
No início de 2016, o Atlético-MG angariou 10 milhões de euros (R$ 43,64 milhões) com a negociação do zagueiro Jemerson, egresso da base alvinegra, que foi defender o Monaco. E o que foi feito com esse dinheiro? Em grande parte, a diretoria usou o caixa turbinado para reforçar o elenco que disputa a Copa Libertadores.
O dinheiro da negociação de Jemerson é uma das explicações do Atlético-MG para ter vencido a disputa com Corinthians e Flamengo pelo atacante Clayton, revelação da equipe catarinense, que custou cerca de R$ 16 milhões.
O desfecho do negócio, contudo, não é o que indica a lógica do negócio (e apenas do negócio). O Atlético-MG é um clube gigante, com vários outros fatores que podem ter seduzido Clayton, mas entrou em um leilão com clubes que faturam muito mais.
O Corinthians, por exemplo, teve R$ 258,2 milhões de receita em 2014. São quase R$ 80 milhões de distância entre um e outro. Os paulistas ainda possuem uma dívida menor (R$ 313,5 milhões, montante que não considera os custos de construção do estádio em Itaquera).
O primeiro fator que cria esse equilíbrio, portanto, é o perfil da dívida. A capacidade de investimento de curto prazo tem relação direta com o quanto o déficit está equacionado, como as parcelas impactam nas receitas e quanto o clube desembolsa com o serviço da dívida (valor que considera, por exemplo, os juros e as taxas).
Um segundo ponto é o custo do futebol. Clubes no Brasil têm naturezas distintas e gastos de extremamente contraditórios. Alguns investem em outras modalidades, por exemplo. Outros sustentam estruturas sociais (nos dois casos, a explicação é muito mais política e histórica do que estratégica). Independentemente da motivação, contudo, o fato é que o potencial financeiro também sofre efeito direto do percentual que as agremiações decidem concentrar em sua principal razão de ser.
Também há aspectos externos, como patrocínios, planos de sócios e ajuda governamental, que se manifesta em leis de incentivo, programas de refinanciamento e aportes de estatais (ainda que essas empresas tenham lógica de mercado para investir). E existem questões menos tangíveis, como a revelação de talentos e a negociação desses jogadores. Durante anos, por exemplo, o Internacional usou essa seara para equilibrar seus balanços financeiros e manter elencos que estavam sempre entre os mais caros do país.
Entretanto, nada é mais flagrante do que a falta de regulamentação. Há clubes que priorizam o aspecto esportivo e negligenciam o impacto econômico que essas decisões podem causar. Outros dirigentes simplesmente preferem arrolar dívidas para que gestões futuras lidem com esse passivo.
De uma forma ou de outra, o futebol brasileiro é uma briga em que um dos lutadores usa apenas os pulsos e outro tem metralhadoras carregadas com balas emprestadas por um agiota. As regras podem ser iguais para todos, mas as condições estão longe de algo que se possa chamar de um cenário equânime.
A recente discussão sobre direitos e mídia de TV fechada, com a entrada de um novo player e a mudança do modelo de divisão de receitas, vai diminuir um pouco a distância econômica entre os principais times do país. Porém, essa ainda não é uma das principais razões da atual discrepância de faturamento no Brasil.
O futebol brasileiro trabalha com regulamentação zero, com clubes que faturam muito e outros que não recebem nada, e não tem qualquer controle sobre os elementos que contribuem para igualar essa balança. No fim, o que vale apenas é a manutenção da competitividade. Mesmo que essa manutenção seja artificial.
Se houvesse parâmetros de gestão, veríamos que o atual modelo do Brasil cria abismos que só fazem mal ao esporte. O que equilibra o futebol no país não é um episódio fortuito (como o caso do Leicester na Premier League) ou um bom trabalho (como o do Atlético de Madri nas temporadas recentes do Campeonato Espanhol). O que equilibra o futebol no país é a pura e simples ausência de elementos de controle.
É a falta de controle de gestão que justifica o panorama traçado na semana passada pela própria CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Segundo o sistema de registros da entidade, quatro a cada cinco atletas profissionais no país recebem até R$ 1 mil por mês. Apenas 226 (ou 0,8% do total) têm salários superiores a R$ 50 mil.
Não pensamos o futebol brasileiro como um todo. Não pensamos em como estabelecer parâmetros que propiciem o futebol brasileiro que nós queremos. O reflexo direto disso é termos clubes cada vez mais endividados ou enfraquecidos. E isso, é claro, estoura no jogador, que é a ponta mais fraca da corrente.
Os dirigentes brasileiros passaram a última semana debatendo assuntos como a eleição presidencial da Fifa, os rumos dos direitos de mídia do Campeonato Brasileiro em TV fechada, o uso de publicidade estática no estádio do Palmeiras em jogos da Libertadores e até o palco escolhido pelo Flamengo para mandar suas partidas enquanto o Maracanã estiver cedido à organização dos Jogos Olímpicos de 2016. Contudo, todas essas questões têm sido conduzidas de forma individual e têm sido norteadas apenas por anseios individualistas.
Isso afeta drasticamente até a vida do torcedor mais alienado. No fim, nem “o meu time é melhor do que o seu” é possível. Afinal, enquanto não pensar em como regular o mercado, o futebol brasileiro não pode sequer fazer comparações simples.

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