Em visita recente à “Terra do Sol Nascente”, ver um jogo de futebol da segunda divisão nacional e um pulo à sede da federação japonesa deixa de maneira escancarada como o Japão pode ensinar ao mundo – não apenas ao Brasil – a maneira de trabalhar com o futebol. Outrora incansáveis aprendizes – ainda são -, ao longo dos últimos 35 anos aquele país do extremo oriente deixou de ser coadjuvante para protagonista do futebol internacional.
Em um primeiro momento, enviaram seus melhores jovens futebolistas para grandes centros da modalidade pelo mundo, como o Brasil. Simplesmente para aprender, adquirir ritmo e volume de jogo, que o esporte de rendimento exige. Anos depois, renomados atletas de diversas partes do mundo partiram rumo ao Japão para contribuir no desenvolvimento do futebol por lá. Poucos anos mais tarde este trabalho resultou no lançamento da “J-League”, a liga local de futebol, em 1993.
Foi a grande virada. Parênteses.
As grandes empresas japonesas não são somente referências mundiais. São motivo de orgulho e grandes exemplos para todo o Japão: filosofia de trabalho, cultura organizacional, importância do método (ou o processo), disciplina e o foco no resultado são ideais que a sociedade nipônica observa e persegue. Por isso que é compreensível, dentre tantos motivos, que Ayrton Senna seja tão admirado por lá.
Fecha parênteses.
É preciso entender o conteúdo do parágrafo citado acima porque o futebol japonês é baseado no clube-empresa. Muito do esporte de rendimento naquele país é financiado pela iniciativa privada e assim foi desde o surgimento da liga local de futebol (J-League). As equipes pertencem ou possuem grande vínculo com alguma empresa, seja ela de alcance mundial ou simplesmente regional. Ou seja, obedecem a inúmeras normativas e procedimentos de trabalho e isso se aplica aos atletas e comissão técnica. A equipe e o jogo são encarados como produtos e tratados com tal, que concorrem com inúmeras outras opções de lazer, muito mais populares inclusive, como o beisebol.
Gasta-se muito, sim. Entretanto, com responsabilidade.
Há de se lembrar que nos primeiros anos da “J-League” era surpreendente ouvir os valores das transações de atletas que partiam para futebol japonês. Muito além, inclusive, aos dos europeus. Atualmente, o Japão não gasta tanto, quer seja pelo desenvolvimento da indústria do futebol no planeta, quer seja pelo crescimento do futebol local, com muito mais bons jovens futebolistas japoneses, que não precisam mais se espalhar pelo mundo, uma vez que a sua terra proporciona boas condições para que exerçam os seus dons.
De onde vêm estes jovens?
Desta vez, resultado de todo um trabalho que a federação japonesa faz por todo o país, de proteger e difundir o esporte, através de escolas de formação e competições de categorias de base. Ao lado da liga profissional, os resultados são evidentes: o Japão a partir de 1998 participou de todas as copas do mundo masculinas, foi campeão da copa feminina (2011) e possui um vasto palmarés continental, com alguns excelentes futebolistas nipônicos em grandes clubes pelo mundo.
Com tudo isso, percebe-se que os dilemas e discussões que hoje se tem sobre os rumos do futebol do Brasil, o Japão os superou há quase três décadas. Já colhe os seus frutos há um bom tempo e continua a plantar. Não só nos campos político, sócio-econômico, o Japão nos ensina que inovar é preciso, e que discussões que levam nada a lugar algum são perda de tempo. O bom senso é a ordem, ao entender um mercado e observar o que vai ficar para o futuro. O legado.
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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:
“De modo algum; nós desafiamos o agouro; há uma providência especial na queda de um pardal. Se tiver que ser agora, não está para vir; se não estiver para vir, será agora; e se não for agora, mesmo assim virá. O estar pronto é tudo: se ninguém conhece o que aqui deixa, que importa deixá-lo um pouco antes? Seja o que for!”
Hamlet (Shakespeare)