Futebol é “coisa de menina”: possibilidades para a educação física escolar

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Nos nossos textos anteriores apresentamos algumas das dificuldades vivenciadas pelas mulheres em relação ao futebol tanto no esporte de alto rendimento quanto nas possibilidades relacionadas às práticas de lazer. Nessas discussões, consideramos os elementos culturais presentes em nossa sociedade e a historicidade destas práticas para compor o panorama do futebol feminino atual.

Baseadas na importância desses aspectos para a ampliação da participação das mulheres na modalidade, em nossa última coluna iremos envolver os espaços escolares como uma possibilidade de garantir estas transformações sociais.

Ao pensarmos no contexto escolar, podemos considerar ingenuamente que a prática do futebol é feita prioritariamente pelos meninos por uma questão de preferência – os meninos escolhem o futebol e as meninas outras atividades, como a corda ou o vôlei. Entretanto, uma análise um pouco mais profunda nos permite entender que não se trata de um gosto pessoal, mas sim de um quadro que tem contribuição cultural e histórica, e que a escola insiste em perpetuar, ao invés de tentar modificá-lo.

A educação física na escola deveria ter como função apresentar e discutir práticas corporais como a dança, a ginástica, a luta, o jogo e o esporte, levando em conta diversos aspectos associados à estas práticas. Assim, o futebol não deve ser apenas “jogado” na escola, sem uma mediação pedagógica, mas, sim, estudado em seu contexto social e a partir das diferenças de gênero estabelecidas entre seus praticantes.

O papel dos professores de educação física e dos demais educadores presentes no espaço escolar não deve ser só a promoção do futebol para as meninas, sugerindo uma falsa igualdade. A questão é que enquanto os meninos têm diversas oportunidades de praticar este esporte tanto na escola quanto em seus momentos de lazer, as meninas precisam de estímulos para que o futebol ganhe novos contornos e significados, dentro e fora do espaço escolar. Assim, é preciso dar um trato pedagógico às manifestações culturais relacionadas ao futebol, construindo novos saberes.

Este trato pedagógico é capaz de alterar essa relação “naturalizada” das meninas com o futebol, como evidenciado em uma pesquisa realizada em um colégio que oferecia aulas extracurriculares de futsal aos meninos e as meninas. Esta oferta originou um novo gosto em relação ao esporte, que foi considerado por mais de 70% delas como o esporte preferido de praticar, tanto na escola quanto em espaços destinados ao lazer.

Além disso, outros tempos escolares, como a entrada e o recreio, também poderiam ser aproveitados para diminuir as diferenças de gênero. Vemos que nesses espaços as atividades esportivas “espontâneas” são dominadas pelos meninos. Embora o professor de educação física possa “controlar” o uso da quadra em suas aulas, deixar que essas atividades aconteçam “naturalmente” serve apenas para perpetuar esse descompasso.

Concluímos nossa série de futebol feminino no Outubro Rosa da Universidade do Futebol apresentando o grande potencial da escola em transformar o panorama existente em relação ao futebol feminino no Brasil. É lá que nascem as possibilidades das meninas construírem novas relações de pertencimento e novos conhecimentos com relação à modalidade, seja na torcida, na análise, nas práticas de lazer ou profissionalmente.

Há uma tênue relação entre todos os aspectos que foram tratados nas colunas, seja no âmbito da seleção nacional, no âmbito das equipes de futebol feminino que insistem em se fazer existir no país, no bojo dos times que surgem a todo o momento nas praças e campinhos, seja nas escolas.

Em todos estes locais, basta um simples incentivo para que poucas interessadas se tornem uma grande equipe; basta um simples direcionamento para que pequenas ideias se tornem grandes projetos; basta um simples apoio para que pequenas crianças se tornem grandes atletas. O desejo das colunistas é que este nosso singelo incentivo às discussões sobre o futebol feminino, iniciadas no especial “Outubro Rosa”, sejam, quem sabe, um pequeno passo para grandes transformações no cenário do futebol feminino nacional.

** Esta coluna é dedicada às nossas alunas, que transformam escolas em espaços cotidianos de resistência.

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