A inesperada pandemia trouxe junto com a paralisação dos jogos, o aprofundamento de um debate que até então se enquadrava pouco na programação esportiva e nas pautas que tanto tratam de resultados de jogos e de contratações.
No Brasil há ao menos sete emissoras de canais de TV fechados produzindo todos os dias, exclusivamente, conteúdo relacionado a esportes, além dos programas esportivos em canais diversos, rádios AM, FM, Web, canais de vídeos na internet, e também páginas e mais páginas em redes sociais voltadas para o esporte. Quando fomos pegos pela impensável paralisação ocasionada pelo COVID 19, do que falar? O que fazer quando não se pode mais discorrer horas sobre as rodadas dos mais diversos campeonatos, sobre até quando este ou aquele treinador agüenta a pressão das derrotas, qual seria a melhor tática e a melhor escalação para ter vencido o jogo, ou os motivos que levaram à vitória? O que dizer quando os campos estão em silêncio?
A ausência de jogos e conseqüentemente do imediatismo “resultadista” da maioria dos profissionais da imprensa pode ter nos levado a um aprofundamento na complexidade do futebol como um todo, não somente do jogo.
A pandemia, de um lado escancarou os rombos financeiros daquelas instituições administradas de forma temerária e de outro evidenciou a organização das melhores gestões.
Nesse sentido, uma das discussões que ganhou destaque foi a transformação de clubes associativos em clubes empresa e em um dos formatos possíveis dentro do modelo empresa que são as sociedades anônimas. Possivelmente, uma das razões para que este fosse um tema de destaque é o fato de que, entre outras coisas, o futebol brasileiro pode estar chegando perto do seu teto de receitas. Por maior que seja a criatividade do departamento de marketing de um clube – como na ação do Esporte Clube Bahia com o programa Sócio Digital – não é possível elevar exponencialmente a arrecadação.
Isso pode ser percebido por meio de números divulgados nos balanços financeiros publicados pelos clubes. De acordo com estudo da Ernst&Young, as receitas comerciais dos 20 principais clubes do ranking da CBF não têm crescimento desde 2017. As únicas fontes de receitas com elevação relevante nos últimos três anos foram provenientes de premiações e transferências de atletas.
Os idealizadores do PL nº 5.516/19 que cria a Sociedade Anônima do Futebol – S.A.F (“PL SAF”), um dos dois projetos que tramitam no Senado para a transformação do modelo atual de organização dos clubes, defendem que a captação de receita mais eficaz e segura para essas instituições se dá através da venda de ações na bolsa de valores. E, diferente do que ocorre com as receitas comerciais dos clubes, a B3 – Bolsa de Valores do Brasil -registrou em maio deste ano, em meio a uma crise econômica mundial, uma alta de 41,8% com relação ao número de pessoas físicas que investiram no mesmo período do ano anterior, tal ascensão não é um fato isolado, mas uma constante. De março de 2017 a maio de 2020 o crescimento monetário do aporte de pessoas físicas foi de R$57 bilhões.
É importante salientar que até aqui, estamos tratando de relações comerciais, ou seja, pessoas físicas que investem em empresas que entendem ser lucrativas e vislumbram a possibilidade de retorno financeiro. No futebol temos a adição de um componente que provavelmente nenhuma empresa conseguirá equiparar, a paixão dos torcedores!
Com a inserção de clubes de futebol nesse mercado, a tendência seria um salto numérico ainda mais expressivo. Contudo, realizar essa transformação não é uma tarefa tão simples.
Um dos empecilhos para essa transformação é o aumento abissal na carga tributária decorrente da mudança de natureza dos clubes que no caso dos associativos são entidades sem fins lucrativos e arcam apenas com a tributação trabalhista. Em contrapartida, seriam concedidos benefícios fiscais, parcelamento de débitos com grande redução de multa, juros e completa isenção de encargos legais, possibilidade de recuperação judicial e um regime especial de administração e pagamento de débitos trabalhistas. Mesmo com os benefícios propostos e as concessões, o compromisso tributário, gera receio.
Há também uma imensa dificuldade na maior parte dos clubes em quebrar o paradigma da cultura política que vem se enraizando e fortalecendo ao longo de mais de 120 anos de existência das associações civis desportivas. As relações políticas estão arraigadas de tal forma nos clubes brasileiros que aparentemente faz mais sentido para os gestores que as comandam transferir como forma de receita, vários de nossos atletas mais talentosos para clubes como Manchester City, Arsenal, Bayern de Munique, por exemplo, agigantá-los com maior qualidade nos “espetáculos” e inclusive perder torcedores brasileiros para eles, do que abrir mão do poder que até então lhes cabe e que é disputado em cada novo processo eleitoral.
Para que essa transformação seja promissora é necessária uma legislação específica para o desporto, pois os modelos implementados por alguns poucos clubes até então sem essas adequações, se mostraram tão ou mais ineficazes que as associações existentes.
De qualquer forma, fica claro que os processos, sejam eleitorais, de gestão, ou outros tantos que estão obsoletos, clamam por transformações em prol do bom futebol, seja em clubes no modelo empresa ou não.
*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol