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Crédito imagem – Pedro H. Tesch/AGIF/CBF

“A nossa visão de mundo condiciona os limites do nosso trabalho”João Paulo S. Medina

Apesar de estarmos já na terceira década do século XXI, não é raro ouvir por parte de alguns torcedores, jornalistas esportivos e até mesmo profissionais especialistas da modalidade, frases como “o futebol é coisa simples, nós é que complicamos as coisas”. Outro jargão muito comum de se ouvir – após a apresentação de argumentos um pouco mais aprofundados sobre a dinâmica do jogo – é que “o futebol é prática e não teoria”; ou então que “o futebol é bola na rede, o resto é conversa fiada”. Diante destas afirmações cabe indagar: será que o futebol é isso mesmo? Tão simples, tão claro, tão objetivo e fácil de desvendar seus mistérios?

Com essas indagações preliminares, gostaria de propor algumas reflexões, fazendo alguns contrapontos às afirmações simplificadoras e simplistas que se ouve ainda com muita frequência, no futebol e fora dele.

Primeiramente, temos que entender que este tipo de pensamento não surgiu do nada. Podemos afirmar que ele foi construído historicamente e teve sua origem e disseminação – dentro da cultura ocidental, pelo menos – na Europa por volta dos séculos XVII e XVIII, com o advento do Iluminismo. Dá-se início, assim, a um movimento que procura combater o Absolutismo e o pensamento religioso que, por séculos, definiram as relações de poder entre as pessoas em seu convívio em sociedade, condicionando nossa compreensão sobre a realidade e, consequentemente, condicionando nossos hábitos, costumes e cultura.

O Iluminismo foi alavancado através das contribuições de grandes pensadores e cientistas (à época reconhecidos como filósofos naturais) como Galileu Galilei (1564-1642), René Descartes (1596-1650) e Isaac Newton (1643-1727), que juntamente com muitos outros nomes de expressão, ajudaram nas mudanças de paradigma que condicionavam a visão de mundo medieval.

No transcorrer deste movimento sociocultural e econômico, grandes transformações ocorreram. A Terra deixa de ser o centro do universo (geocentrismo); a aproximação da verdade segue mais os princípios científicos do que os princípios puramente religiosos. Desta forma, o conhecimento começa a se estratificar e se especializar, uma vez que esta nova ciência emergente propõe uma leitura mais acurada da realidade, não mais baseada nas tradições, mas sim buscando desvendar essa realidade através de métodos científicos, apartando-se, portanto, do sobrenatural e coletando dados de forma mais direta e objetiva no mundo natural, através de experiências que pudessem ser testadas, reproduzidas, replicadas, comprovando-se hipóteses e teses.    

Este modelo causou uma verdadeira revolução (científica) no pensamento e proporcionou um desenvolvimento sem precedentes para a humanidade ao longo dos séculos seguintes. Porém, com o passar do tempo, dentro desta nova visão de mundo, o que era solução começa a ser problema. As especializações chegaram a um ponto tal que já não permitem uma conexão mais direta com o todo em toda a sua complexidade; pelo contrário, se distancia dele. Começa-se a perceber que o estudo das partes, por mais meticuloso e rigoroso que seja, quando dissociado do todo, já não traz as soluções que procuramos em muitos casos, principalmente quando os problemas não estão restritos tão somente às questões mecânicas ou inorgânicas. Neste sentido, a revolução industrial, que teve início em meados do século XVIII, e que consolidou o processo de formação do capitalismo, acelerou a visão reducionista e estimulou a comparação dos seres humanos enquanto máquinas.

Porém, mesmo com as contestações crescentes que começaram já a partir da primeira metade do século XX, principalmente com o advento da teoria da relatividade e da física quântica, evidenciando as limitações deste modelo paradigmático – cartesiano, newtoniano, linear, mecanicista, este pensamento ainda hoje é determinante, hegemônico e condiciona o dia a dia de nossas ações.

É, portanto, nesta perspectiva que ainda costumamos adotar uma visão de mundo que tem como pilar o modelo tradicional da ciência, baseado na simplicidade, na objetividade, na estabilidade e na previsibilidade. E, infelizmente, é essa a visão de mundo que ainda prevalece no futebol.

Porém, se analisado sob outra perspectiva, o futebol, quer enquanto fenômeno socioeconômico e cultural, quer enquanto manifestação esportiva e lúdica –característica do jogo em si, na verdade, não tem nada de simples, objetivo, estável ou previsível. Se quisermos arriscar a desvendar seus mistérios temos que começar a entendê-lo de forma cada vez mais ampla, sistêmica e complexa.

Considerando que a nossa visão de mundo condiciona os limites do nosso trabalho, é essencial que enxerguemos o futebol com outras lentes, ou seja, de forma mais abrangente e ampla possível, sem deixar de lado as suas especificidades. Afinal, o futebol não é nada simples, como muitos ainda pensam. Ele é complexo e quanto mais procurarmos entender a sua complexidade, mais aptos estaremos para fundamentar as nossas tomadas de decisão; e não só no futebol.

Em um próximo texto falaremos mais sobre o pensamento complexo e sistêmico e seus prováveis impactos na visão que temos sobre o futebol e sobre a realidade na qual estamos inseridos.

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