Sociedade Anônima do Futebol – Modos de quitação das obrigações – Considerações sobre o “RCE” e a “RJ”, à luz da Lei 14.193/2021

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Texto: Eduardo Gonzaga de Paula

A Lei 14.193/2021 (LSAF) adotou o concurso de credores como método de quitação de obrigações do clube, divididos em duas modalidades, quais sejam, Regime Centralizado de Execuções (“RCE”) e recuperação judicial ou extrajudicial (“RJ” ou “RE”), nos termos da lei 11.101/2005.

O RCE é um procedimento mais objetivo, que tem o objetivo de reorganizar os pagamentos do clube, mediante concentração em um único juízo das receitas e valores arrecadados, para pagamento aos credores, feito pelo próprio clube, com condições específicas, em razão da perspectiva de melhoria e do aumento do fluxo de recursos que advirão da SAF.

O rito, em tese, dispensaria maiores dilações trazidas no processo de recuperação judicial de empresas, uma vez que, recolhido o percentual da arrecadação, nos termos do art. 10 da LSAF, tal saldo quitaria as pendências na sua ordem cronológica, segundo um plano concreto e efetivo de pagamento, desde que atendidos os requisitos previstos na LSAF.

Digo, em tese, porque, na prática, tem sido processada de forma bastante similar à RJ, a exemplo do RCE do Vasco da Gama, no qual (i) se constata que diversos credores apresentam habilitações e impugnações de crédito, processadas em separado e em apenso ao RCE; e (ii) houve recente nomeação de Auxiliares do Juízo, nas funções análogas à de Administração Judicial, para elaboração de relatórios mensais, formatação de lista de credores e acompanhamento (fiscalização) do procedimento quanto à adequada arrecadação dos ativos.

Grande parte dos clubes brasileiros que se encontram em grave crise financeira e constituíram a SAF com o objetivo de captar recursos de investidores lançaram mão do RCE, antes mesmo da constituição definitiva da SAF, como, por exemplo, o Vasco da Gama, o Cruzeiro Esporte Clube e o Botafogo de Futebol e Regatas, utilizado como mecanismo de superação de crise e soerguimento.

O RCE pode assegurar um prazo de até 10 (dez) anos para que os times paguem suas dívidas, considerando a possibilidade de prorrogação por mais 4 (quatro) anos, caso haja adimplência de ao menos 60% (sessenta por cento) do seu passivo original ao final do prazo de 6 (seis) anos, período durante o qual o clube contará com o benefício da vedação a qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às suas receitas.

No entanto, caso os prazos do RCE não sejam cumpridos, a Sociedade Anônima do Futebol responderá, nos limites estabelecidos no art. 9º da LSAF, subsidiariamente, pelo pagamento das obrigações civis e trabalhistas anteriores à sua constituição.

Por outro lado, há também a via do processo de recuperação judicial, por meio do qual o clube buscará, no âmbito do Poder Judiciário, negociar e aprovar um Plano de Recuperação junto a seus credores, que viabilize a solução do passivo acumulado. Nesse procedimento, os mecanismos de reestruturação da dívida são muito mais amplos, consolidados e seguros.

Não há dúvidas de que o RCE tem se mostrado extremamente vantajoso para os clubes. No entanto, é importante ressaltar que o RCE é um modelo mais recente, ainda não testado no Poder Judiciário. Até pouco tempo, não havia sequer regulamentação nos Tribunais para a instauração do RCE previsto na LSAF. Ainda não há clareza, segurança e previsibilidade acerca do procedimento e das decisões judiciais sobre as normas da LSAF que regem o RCE. 

A título de exemplo, ainda está pendente de definição pela Segunda Seção do STJ, responsável pelo julgamento do Agravo Interno interposto pelo Vasco da Gama, se o juízo cível onde se processa o regime centralizado de execuções é o único competente para decidir acerca do pagamento de seus credores, tanto os titulares de créditos de natureza civil como trabalhista, ou se a competência é de ambos os Juízos (dois RCE’s em paralelo). 

Caso se mantenha o entendimento da Ministra Relatora exarado na decisão agravada de que há dois “juízos universais” para processar os RCE’s, o plano para pagamento dos credores (tanto cíveis, como trabalhistas), haverá de ser uno e indivisível? A individualidade do plano não foi definida de forma expressa na LSAF.

Outro ponto de preocupação e incerteza: apesar de a Lei Nova prever que a SAF não pode ser cobrada por dívidas do clube, pelo menos enquanto este estiver cumprindo os pagamentos previstos no âmbito do RCE, decisões recentes da Justiça do Trabalho não têm respeitado essa regra, o que gera um clima de insegurança jurídica no mercado.

Como se nota, são matérias relevantes do RCE que, considerando o pouquíssimo tempo de vigência da LSAF, pendem, ainda, de uma interpretação mais densa perante os tribunais pátrios.

Por sua vez, a RJ é um modelo de reestruturação de empresa já consolidado e testado no Poder Judiciário, capaz de vincular toda a comunidade de credores, após aprovação e homologação do plano de recuperação judicial. Há um conjunto de julgados proferidos ao longo de anos de vigência da Lei 11.101/05 que geram maior sensação de segurança e previsibilidade das decisões judiciais, em comparação com o RCE.

Quando se renegocia as dívidas com a comunidade de credores, como ocorre na RJ, mediante aprovação, homologação e cumprimento do plano de credores do clube no Poder Judiciário, a SAF fica completamente protegida de eventual tentativa de responsabilização por tais dívidas.

Não à toa, apesar de ter optado inicialmente pela apresentação de requerimento de submissão ao concurso de credores por meio do RCE, o Cruzeiro Esporte Clube instaurou, em 11/07/2022, pedido de RJ, distribuído ao Juízo da 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte, que deferiu o seu processamento, por verificar a presença dos requisitos legais, o que ensejou as manifestações de desistência dos RCE’s instaurados perante o TJMG e o TRT da 3ª Região.

Feitas tais considerações, conclui-se que ambos os mecanismos de quitação das obrigações do clube previstos na LSAF são essenciais e vantajosos para os clubes. No entanto, diante da maior segurança jurídica em relação ao processo de recuperação judicial, a tendência é que os investidores sejam orientados a buscar a renegociação do endividamento do clube investido por meio da recuperação judicial ou extrajudicial, pelo menos até que ocorra uma maior “maturação” da LSAF perante o Poder Judiciário.

Sem a pretensão de esgotar o assunto, o presente artigo busca apenas examinar e refletir a respeito das modalidades de quitação das obrigações do clube previstos na LSAF, abordando, de forma comparada, seus benefícios, riscos e repercussões.

* Texto de autoria de Eduardo Gonzaga de Paula e não reflete, necessariamente, a opinião da Universidade do Futebol.

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