A temporada 2019 pode ser um marco para o futebol brasileiro. Existem diferentes conversas em curso com potencial para impactar significativamente a estrutura e a divisão de receitas no cenário nacional, o que teria consequências diretas no desempenho esportivo. E tudo isso, dada a inércia de clubes, federações, entidades de classe e profissionais, só tem acontecido na velocidade atual por interesse do principal parceiro comercial do esporte em âmbito local. No Brasil, qualquer mudança no status quo do futebol depende umbilicalmente da TV.
O poder da mídia como ator na negociação tem relação direta com o peso que a comercialização de direitos possui no faturamento dos clubes brasileiros. A fatia correspondente a contratos com a TV é mais significativa do que em outros países – o percentual chegou perto dos 50% em 2018, ainda que tenha sido um ano atípico.
Além do peso, existe uma questão de fluxo de caixa relacionada aos acordos de mídia no Brasil. É praxe no mercado local a antecipação de receitas dos contratos de cessão de direitos. Para as equipes, trata-se de uma fonte com juros abaixo do mercado. Para as emissoras, é um jeito de manter uma relação próxima com os dirigentes e obter vantagens em negociações seguintes.
Em 2019, contudo, o futebol brasileiro passará por mudanças significativas nesse aspecto. A primeira delas é a maneira de distribuir os recursos oriundos do contrato de mídia: ao contrário do modelo atual, alinhavado individualmente e distribuído em prateleiras de acordo com o tamanho das torcidas, o dinheiro da TV aberta será fatiado entre divisão igualitária (40%), número de partidas transmitidas (30%) e desempenho esportivo (30%).
A mudança de modelo tem duas consequências diretas: vai ser mais difícil prever o total amealhado em cada contrato de TV (já que ao menos 30% estão condicionados ao desempenho esportivo) e existe uma questão de prazo. Ao contrário do cenário atual, em que as equipes recebem todo o montante no início do ano, pelo menos 60% serão pagos do meio para o fim do ano. A dificuldade, portanto, é encontrar fluxo de caixa para bancar a operação do futebol nos primeiros meses do ano.
Outra mudança fomentada pela ação da TV é o modelo dos estaduais. O presidente do Atlético-PR, Mario Celso Petraglia, chegou a sugerir o fim das competições regionais a partir de 2020, hipótese bastante improvável, mas o fato é que o atual formato está com os dias contados. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) criou um grupo de estudos para pensar em como reduzir o número de datas, equacionar os calendários e criar competições que sejam mais atraentes para a TV sem comprometer o calendário dos times pequenos ou o impacto político dos estaduais – o comando das federações é eleito por maioria simples, vale lembrar, e o voto de um clube grande vale o mesmo de um advindo de uma equipe de menor orçamento.
O grupo de trabalho para repensar os estaduais tem a ver com o desgaste do atual modelo. A Globo identifica queda de audiência e de interesse – isso sem falar na qualidade dos jogos, em baixa por fatores como a falta de tempo de preparação.
Os estaduais de 2018 tiveram 18 datas, o que é apenas uma forma de as federações negociarem com seus filiados em busca de estabilidade política. Para efeitos de calendário, não faz sentido o Brasil ainda trabalhar com monstrengos dessa envergadura no início da temporada, condensando a principal competição nacional em pouco mais de seis meses.
Há anos o futebol brasileiro discute o que fazer com os estaduais, competições que têm relevância histórica e que são fundamentais no atual sistema para garantir calendário às equipes pequenas. Esse debate, porém, nunca passou de algo inócuo. Ainda que iniciativas extremamente positivas tenham sido estruturadas, sempre houve barreiras intransponíveis.
O que tem acontecido agora é uma demonstração do poder que a TV exerce no futebol brasileiro. Por iniciativa e vontade dos detentores de direito, é possível que os principais times do país vivam em 2019 um ano focado em discussões sobre fluxo de caixa e futuro do calendário.
No entanto, a questão nesse caso é que a mudança que parte da TV submete-se ao interesse da TV. Ao demonstrar seu poder e agir diretamente para chacoalhar o cenário nacional, a Globo também assume uma posição de quem terá voz ativa e poderá conduzir o jogo.
Mais uma vez, os clubes, as federações e os profissionais do futebol brasileiro perdem uma chance de serem protagonistas. Atuam como vozes reativas numa discussão que terá enorme impacto em toda a estrutura do esporte nacional. Mais uma vez, forças políticas travaram e atrasaram mais do que possível as discussões que todos sabiam que eram necessárias.
Culturalmente e em termos de talento, o futebol brasileiro poderia ter em âmbito global um patamar bem superior ao atual. Enquanto todos os atores do país aceitarem papéis de coadjuvantes e trabalharem apenas para retardar mudanças, entretanto, seguiremos sempre pensando apenas na impossibilidade de competir com outros mercados.