Eles são britânicos e têm trajetórias muito diferentes, mas um faz parte da história do outro. E agora, depois de uma longa separação, as histórias dos dois voltaram a se aproximar. O jogador David Beckham e o treinador Alex Ferguson resolveram parar.
Beckham fez no último sábado a última partida como mandante no Paris Saint-Germain. Contratado pelo clube francês no início do ano, o inglês foi substituído aos 38min do segundo tempo da vitória por 3 a 1 sobre o Brest e encerrou uma passagem tão efêmera quanto emocionante.
A partida derradeira da história de Beckham como atleta está agendada para o dia 26 de maio deste ano. Segundo jogador que mais vestiu a camisa da seleção inglesa, o meia encerrará uma trajetória tão longeva quanto prolífica.
A despeito de ser constantemente rotulado apenas como um bom garoto-propaganda ou como um ícone pop, o inglês tem uma lista de títulos e partidas históricas para mostrar o quanto foi relevante para as últimas décadas do futebol mundial.
Em alguns dos melhores momentos dessa carreira, Beckham foi comandado por Ferguson. O escocês de 71 anos fez no último domingo a última partida como treinador do Manchester United, time que ele havia assumido em 1986.
Ferguson comandou o Manchester United em 1500 partidas. Nesse período, mudou radicalmente o status do clube, que se tornou o maior vencedor da Inglaterra e passou a ser um dos gigantes do futebol mundial.
A intersecção aproxima Beckham e Ferguson. O momento e a emoção da aposentadoria também. São duas histórias ricas, e contar o último capítulo de ambas oferece uma série enorme de possibilidades.
No Brasil, os dois últimos fins de semana também foram marcados por histórias conclusivas. Foi o fim da maioria dos Estaduais de futebol no país do futebol. Sem entrar na discussão sobre o que valem as competições, o encerramento de qualquer campeonato é o que define quais são os heróis.
O que você perguntaria para um jogador que acabou de anunciar a aposentadoria? Qual seria o questionamento para um técnico que decidiu encerrar a carreira após dirigir um clube por 27 anos? E para atletas ou treinadores que ganharam um Estadual?
Sempre que eu vejo uma história em que a emoção é tão aflorada, essas estão entre as minhas primeiras dúvidas. Invariavelmente vem à cabeça a história de um repórter de automobilismo que questionou um piloto que havia acabado de vencer uma corrida: "e aí? Está feliz?".
Em outras editorias, o paralelo seria a anedota contada com ar de lenda urbana. Depois de um desastre natural que havia vitimado muita gente, um repórter interpelou uma viúva se ela estava triste com a morte do marido.
Saber entrevistar personagens em momentos de emoção aflorada é um dos maiores desafios impostos a qualquer jornalista. O trabalho do repórter é fazer com que o personagem explique a emoção daquele momento. O problema é como acessar esse material extremamente íntimo.
Ainda que o texto seja a matéria-prima do jornalismo, e isso independe da mídia, encontrar a história é o que oferece os maiores diferenciais. É fundamental saber organizar as informações, mas para isso é necessário apurá-las.
Nesse sentido, fazer jornalismo não é diferente de estabelecer qualquer outro tipo de vínculo. É uma relação de confiança, que depende da abordagem e de como o repórter lida com a fonte. Perguntar simplesmente se o indivíduo está feliz ou triste é não se aprofundar.
A revista de jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) do bimestre maio / junho apresenta um interessante estudo feito pelo Tow Center for Digital Journalism, núcleo criado na Columbia Journalism School. O documento faz um detalhado diagnóstico sobre a atual situação da imprensa nos Estados Unidos.
O estudo cita um texto escrito em 1979 pela especialista em segurança Susan Landau. Naquela época, ela tentou mostrar a diferença entre segredos (histórias contadas e que vinham sendo ocultadas) e mistérios (o que ocorre e que, embora público, não é tão visível).
Para facilitar, dois exemplos: o escândalo de Watergate, história mais famosa da imprensa dos Estados Unidos, foi baseado em segredos revelados – um alto funcionário do FBI foi responsável por revelar a história; até as falcatruas de Enron e Bernard Madoff serem reveladas, por outro lado, isso era um mistério.
Jornalismo se faz de segredos (o que alguém conta a alguém) e mistérios (o que está ali, mas está escondido). A habilidade de chegar a ambos é o que preserva a necessidade desse tipo de serviço na sociedade.
Com a disseminação de novas plataformas de mídia, como já conversamos aqui, todos viraram produtores de conteúdo. O domínio do que é dito deixou de ser das grandes corporações, e o desafio dos jornalistas passou a ser mais claro. É fundamental contar histórias diferentes, encontrar a emoção e ser rápido. E a concorrência para isso deixou de ser apenas do jornal do lado.
Momentos tão emblemáticos quanto as aposentadorias de Beckham e Ferguson ou o término dos Estaduais oferecem uma série de segredos e mistérios. As histórias estão ali. A questão é chegar a elas.
É por isso que chama tanta atenção o comportamento de alguns profissionais em entrevistas. Há uma série de manuais sobre como abordar uma fonte, seja em uma coletiva ou em uma exclusiva, mas nenhum deles fala sobre adulação, julgamento ou obviedades.
Nesse sentido, uma aula do que não deve ser feito é dada a cada entrevista coletiva da seleção brasileira, sobretudo quando o encontro com jornalistas é feito depois de uma convocação. Muitas perguntas se dividem entre bajulação (muitas vezes indireta, feita com questionamentos cujas respostas são positivas para quem está do outro lado do microfone) e julgamento ("eu faria diferente", "eu não gostei de tal nome", "eu senti falta desse jogador").
Perguntar exige pesquisa, contextualização e conhecimento sobre o assunto. Mais do que isso, demanda uma noção muito grande sobre comportamento. Só assim é possível balancear emoção e informação nas respostas, sobretudo em momentos decisivos.
A aposentadoria de um jogador ou de um treinador icônico e a decisão de um título são coisas que não se repetem – não com o mesmo roteiro e os mesmos personagens, pelo menos. O risco de uma pergunta ruim é desperdiçar a peculiaridade daquele instante.
E como saber se uma pergunta é boa? Quase sempre, a resposta é a chave para isso. A boa pergunta é a que tira o entrevistado da zona de conforto e oferece algo diferente para quem acompanha a notícia.
No esporte, são raras as perguntas que produzem esse efeito. Aliás, cada vez mais raras, já
que a preparação para o contato com a imprensa tem evoluído em velocidade maior do que a própria imprensa.
O risco que isso oferece é fazermos um jornalismo de discursos prontos. E aí, invariavelmente, costumamos culpar os personagens por só falarem as mesmas coisas.
Alguém disse certa vez que jogadores de futebol respondem sempre do mesmo jeito porque recebem sempre as mesmas perguntas. Eu me arrisco a dizer que é um pouco mais: não apenas pelo teor, mas pela abordagem.
Para entender os meandros do jogo, um profissional de comunicação precisa estudar o que acontece em campo (tática, técnica, psicologia e a relação entre essas áreas, por exemplo). Para ser completo, contudo, o mesmo profissional precisa estudar sobre gente.
Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br