Atletas e Diplomatas

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Dia desses tive uma longa conversa com amigo de infância que trabalha há mais de uma década em uma equipe de futebol profissional da primeira divisão, no exterior. Falávamos sobre cultura de trabalho, princípios, ética, e de estar sempre sob prova: desafios de se estar em outro país e, muitas vezes, ser mais exigido do que um local a fim de provar algo.
Em um ponto da conversa começamos a falar sobre a imagem do brasileiro nos países para onde se parte para trabalhar, quer seja futebolista ou não. A coluna vai se concentrar na primeira ocupação, apenas. Dizer que uma coisa não se relaciona com outra é inocência, mas onde estamos naturalmente significa que somos embaixadores de onde viemos. As impressões deixadas por alguém serão as mesmas que as pessoas terão pelas origens dele, local e ambiente. Estas impressões terão como ponto de partida a conduta, os gestos e a postura diante de inúmeras situações, em relação ou não ao trabalho. Em outras palavras, as impressões virão do exemplo que a pessoa deixará.
Uma vez contratado por uma organização esportiva estrangeira, o profissional tem que ter claro que ele será assalariado para cumprir com as expectativas de quem o contrata, tendo como base a sua missão, a visão e os valores do contratante. O atleta tem que ter isso claro. Infelizmente, muitos não possuem esta clareza por certos motivos, em que esta coluna se atenta a um: a sobrevalorização e a ausência de humildade.
A sobrevalorização extrema reconhece um indivíduo em demasia e acaba por colocá-lo acima da sociedade, como se ela existisse para servi-lo. Esta coluna reconhece isso como sendo ausência de humildade. Humildade para saber do seu papel na sociedade, de reconhecer que em outro país ele estará em outra cultura, outros processos e procedimentos a que tem que se adequar, a fim de que sua aceitação e adaptação sejam mais confortáveis. Humildade em reconhecer que não há quem sabe mais ou quem sabe menos, que não há melhores nem piores, mas que há saberes diferentes e que eles se complementam – como sempre – e que tudo faz parte de um processo de construção e evolução profissional. A noção e aceitação disso resultam em carreiras mais sólidas e duradouras. Exemplos não faltam.
Ao mesmo tempo, os exemplos (bons ou ruins) “espalham” sementes e deixam estas impressões, para o bem ou para o mal. Infelizmente, a sobrevalorização e ausência de humildade tem sido comuns em tempos recentes. Assim sendo, isso conduz à quebra do fator mais importante para as relações humanas: a confiança. Para obter levam-se anos. Para rompê-la, basta um deslize.

Zico, pelo Kashima Antlers/JAP, nos anos 1990. (Foto: Reprodução/Divulgação)

 
Esta coluna quer chegar ao ponto que não basta apenas ser bom naquilo que se é pago para fazer. Conduta, postura, gestos e vocabulário são também forma de linguagem e estabelecem conexões. Carregam exemplos e deixam impressões não apenas sobre a pessoa, mas de onde ela vem e do círculo de pessoas com quem convive. Talvez isso explique o declínio do número de brasileiros protagonistas no futebol mundial.
Assim sendo, antes de tudo é preciso que o atleta, com o reconhecimento público que possui, saiba que o seu papel vai além do campo, afinal estará sob constante vigilância e julgamento. Suas condutas dirão sobre seu caráter, suas origens e círculo de convívio. Se boas, estabelecerão confiança e o legado será positivo. Basta querer com que isto aconteça.

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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:

“Poucas pessoas sabem que o atleta tem que ser um diplomata A1,
político e ‘apertador’ de mãos.”

Jack Rowan,
jogador profissional de beisebol no início do século XX, sobre o papel além de atleta.
(Baseball Magazine, Maio/1914)

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