Guardiola não é tudo isso

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Pep Guardiola não é apenas um dos técnicos mais vitoriosos do futebol nas últimas décadas. Desde 2008, quando assumiu o Barcelona, o espanhol de 45 anos consolidou uma proposta de jogo e conseguiu incutir em suas equipes uma série de conceitos que o diferenciam da maioria. E isso, agora no Manchester City, acabou virando um problema.

O Barcelona de Guardiola teve 72,47% de aproveitamento em 247 partidas e amealhou 17 taças em quatro anos. Mais do que isso, distinguiu-se por um estilo de troca de passes, valorização da posse de bola e linha de defesa alta. Tudo desembocava no argentino Lionel Messi, que flutuava pelo setor ofensivo e despontava ali como um dos maiores do planeta.

Depois de deixar o time espanhol, Guardiola tirou um ano sabático. Voltou a trabalhar em 2013, quando assumiu o Bayern de Munique, e conseguiu fazer no time alemão um trabalho ainda mais peculiar. Quando escolheu o profissional, a diretoria bávara queria mais do que vitórias: a ideia era criar uma cultura de jogo que aproveitasse algumas das maiores potencialidades daquele grupo.

O Bayern de Guardiola era uma versão ainda mais extrema de alguns conceitos que ele já havia mostrado no Barcelona. O time também valorizava a posse e também levava a linha defensiva ao limite, mas começou a trabalhar mais com inversões de posicionamento e com o conceito de “defender com a bola”. Para isso, o treinador tentou encaixar um número cada vez maior de atletas com qualidade de passe e chegou ao limite de disputar uma partida de semifinal de Liga dos Campeões sem escalar um zagueiro de ofício. Jogadores como Lahm, Alaba, Xabi Alonso e Javi Martínez oscilavam entre outras posições e a defesa.

O aproveitamento de pontos de Guardiola no Bayern de Munique foi ainda melhor do que o registrado no Barcelona. O percentual de vitórias subiu para 75,16%, com sete taças em três anos. No entanto, aí começaram os questionamentos: soberano em competições nacionais, o catalão não conseguiu fazer a equipe ir além das semifinais da Liga dos Campeões da Uefa. Assumiu um elenco que havia acabado de vencer a Europa e sequer manteve esse patamar.

As mudanças de estilo, os conceitos e o aproveitamento foram marcantes, mas sempre viveram à sombra do que Guardiola não conseguiu fazer em Munique. Sobretudo porque o treinador tentou impor no Bayern um estilo que era dele e que passava longe da unanimidade entre os alemães.

Isso ficou ainda mais claro no Manchester City, terceiro clube da carreira de Guardiola. O espanhol ainda não completou uma temporada na equipe, mas já acumula dúvidas. O aproveitamento despencou para algo perto de 60% dos pontos, a classificação para as oitavas de final da Liga dos Campeões aconteceu apenas depois de um segundo lugar na fase de grupos e o líder Chelsea já abriu sete pontos de vantagem no Campeonato Inglês.

Guardiola também comprou brigas significativas em Manchester. Barrou o goleiro Hart, ídolo da torcida, por não ter bom jogo com os pés. Também tirou da equipe, em momentos diferentes, unanimidades como Yaya Touré e Agüero. Definiu movimentações e esquemas que já havia tentado em outras equipes, desconsiderando o perfil dos atletas e a capacidade de execução dessas ideias.

A lista de mudanças impostas por Guardiola também tem um rejuvenescimento do elenco. A contratação do brasileiro Gabriel Jesus, titular da seleção comandada por Tite, é apenas uma parte desse processo.

“Penso que quando um treinador chega a um novo clube e disputa um novo campeonato é sempre difícil. Sei que no futebol você parabeniza os jogadores quando as coisas vão bem e critica os treinadores quando as coisas vão mal. Por isso, não estou surpreso, mas você precisa de tempo”, disse Carlo Ancelotti, atual treinador do Bayern de Munique, ao ser questionado em entrevista coletiva sobre o trabalho de Guardiola no Manchester City.

Qualquer avaliação sobre o trabalho de Guardiola no Manchester City é extremamente precoce. Ainda é possível que a equipe comandada por ele tire a diferença de sete pontos para o Chelsea e brigue pelo título da Liga dos Campeões, por exemplo. Ainda é possível que os resultados só apareçam no médio prazo ou sequer apareçam. Ainda é possível que os parâmetros sejam outros, mais ligados ao desempenho ou ao padrão de jogo.

Também é possível, como sempre diz o mestre Tostão, que Guardiola não seja tudo isso. Que o treinador tenha relevância enorme, é claro, e que possa impor uma série de conceitos diferentes em suas equipes, mas que o protagonismo das ações do jogo continue nas mãos dos atletas.

O futebol é um ambiente sistêmico, e todas as engrenagens que fazem parte disso têm importância no contexto – Guardiola, inclusive. A questão aqui é personalizar demais ou impor a uma pessoa o peso de todo um trabalho.

A questão também é como avaliamos o trabalho de alguém. Guardiola será eternamente cobrado pelo nível que estabeleceu no Barcelona ou pelos parâmetros que já construiu na carreira. As críticas ao treinador sempre partirão de um altíssimo grau de expectativa que existe em torno dele.

É preciso ter enorme cuidado com essa linha. O Guardiola de hoje certamente não é o mesmo que trabalhou no Barcelona em 2008 – como treinador e como pessoa. Pessoas mudam e conceitos mudam. Tudo pode evoluir e pode caminhar para direções diferentes, e julgar um técnico por algo que aconteceu há quase dez anos é como avaliar um filme pelas coisas que o diretor produziu anteriormente.

No fim, ainda que as profissões tenham naturezas incomparáveis, é um pouco isso: currículo serve para que tenhamos contexto ou possamos entender os caminhos profissionais de uma pessoa, mas não podemos cobrar ou exigir coerência a partir disso. Técnicos mudam porque todo mundo muda. Guardiola é prova disso.

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