Jornalista x torcedor: uma discussão de 140 caracteres

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"É revoltante e inaceitável que profissionais da imprensa brasileira possam, sem apontar nenhuma evidência, por mera criação fantasiosa, colocar em dúvida a honestidade e a idoneidade do clube".

O excerto anterior foi retirado de um comunicado emitido no último domingo pelo Grêmio. No texto, assinado pelo presidente Fabio Koff, o clube gaúcho critica comentários feitos pelos comentaristas esportivos Flávio Gomes e Arnaldo Ribeiro, ambos da "ESPN", em posts feitos na rede social Twitter.

Gomes e Ribeiro publicaram o conteúdo no sábado, dia em que o Grêmio venceu a Portuguesa por 3 a 2 em Porto Alegre pelo Campeonato Brasileiro. O time tricolor chegou a estar vencendo por 2 a 0, cedeu o empate e conseguiu o triunfo graças a um pênalti muito contestado pela equipe paulista.

"Juiz vagabundo, timinho escroto desde 1903. São muito machos no Sul. Mas adoram dar a *****", escreveu Gomes. "Por favor. Monitorem ligações de Fabio Koff e cia para comissão de arbitragem e CBF nos últimos dias. #vergonha", completou Ribeiro.

"As manifestações desses profissionais não honram a tradição da emissora, que deveria estar sempre comprometida com a ética, a verdade, a justiça e a justeza de suas informações", respondeu Fabio Koff no texto de domingo. Na segunda, Gomes foi demitido.

A celeuma criada pelos posts dos comentaristas ilustra bem um dos principais problemas das redes sociais no Brasil: a indefinição sobre público e privado. Afinal, é possível dissociar o jornalista da pessoa que escreve nas redes sociais?

Criar essa distinção seria correr contra o maior avanço provocado pelas redes sociais. O advento desse tipo de plataforma mudou radicalmente o consumo e a disseminação de informações porque transformou todo mundo, literalmente, em mídia.

Antigamente, se eu quisesse dar repercussão a algo, tinha como único caminho tentar emplacar esse material na grande mídia. Hoje em dia, se eu fico sabendo de algo relevante, posso abastecer meus próprios perfis em redes sociais.

No dia 30 de agosto, o blog "Não Salvo" publicou uma sequência de caracteres que gera um bug para usuários do sistema iOS. Ao visualizar o código, todo aplicativo nessa plataforma fecha automaticamente.

Em quatro horas, o perfil oficial do blog perdeu 5 mil seguidores no Twitter. Além disso, colocou seis entre os dez assuntos mais comentados na rede social no Brasil.

O criador do blog não é uma personalidade. Nunca teve um trabalho consistente em outras mídias. Ele é "apenas" um blogueiro, mas a repercussão enorme do post sobre o bug da Apple mostra o quanto as novas mídias mudaram a lógica de distribuição de conteúdo.

Se o mesmo código tivesse sido dito em uma rádio ou publicado em um jornal, talvez não tivesse repercutido tanto. O mundo tem 1,7 bilhão de usuários de redes sociais atualmente, 18% a mais do que no ano passado, e as regiões com mais adeptos desse tipo de plataforma são Ásia-Pacífico (777 milhões) e América Latina (216,9 milhões).

Ainda que as últimas pesquisas tenham mostrado rotas descendentes de usuários no Facebook e no Twitter, as redes sociais não dão nenhuma demonstração de serem algo efêmero. O público pode migrar para uma nova onda ou buscar a febre mais atual, mas não vai deixar de frequentar esse tipo de ambiente.

Ao entregar ao consumidor da notícia o poder de fabricá-la, as redes sociais mudaram radicalmente a lógica da mídia. Isso precisa estar muito claro para quem é público, mas ainda mais para quem produz conteúdo.

O que aconteceu com os jornalistas da "ESPN" está sendo usado aqui apenas como exemplo, mas não quero ser cabotino. Há outros exemplos de profissionais do mesmo segmento que também tiveram problemas por causa de mídias sociais. Essas plataformas ainda não são totalmente compreendidas e dominadas, o que torna ainda mais possível o deslize.

Quando o Twitter começou a se popularizar nos Estados Unidos, virou uma febre entre atletas. Alguns deles começaram a postar conteúdo durante os jogos, nos momentos em que estavam no banco ou nos vestiários.

Isso levou a liga profissional de basquete dos Estados Unidos (NBA) a criar um manual de conduta para redes sociais. Algumas empresas de mídia, no Brasil e no exterior, também estabeleceram regras de conduta.

No entanto, isso leva a outro ponto pertinente da discussão: não são apenas as redes sociais que moldam o perfil que o público tem do jornalista. Quem produz conteúdo vende credibilidade, e credibilidade só se constrói com uma marca.

Para criar uma marca, é fundamental que o profissional tenha um histórico condizente com o que produz. O público percebe quem é oportunista.

Não cabe julgamento sobre o profissional que diz para qual time torce, por exemplo. Todo mundo que trabalha com futebol faz isso porque ama o esporte, e todo mundo que ama o esporte tem ao menos simpatia por uma equipe.

No entanto, profissionais que escancaram o time do coração trilham um caminho sem volta. Eles vão ficar sempre marcados ou sempre terão opiniões colocadas em dúvida por causa disso.

Um jornalista pode criar uma marca de alguém que torce para determinado time ou condena uma prática, mas precisa manter coerência quanto a esses aspectos para conseguir moldar uma marca.

Isso mostra que, assim como as redes sociais são apenas um simulacro da vida real, as restrições ao comportamento de jornalistas nessas plataformas são um reflexo do que deve acontecer em outras situações.

Ser flagrado em um estádio como torcedor é para um jornalista algo tão complicado quanto manifestar torcida em redes sociais. Isso pode jogar contra a credibilidade e a autonomia do profissional.

Não é proibido torcer, tampouco dizer o que pensa. Ao fazer uma dessas coisas, porém, o jornalista precisa saber que está adicionando atributos a um perfil que o público constrói.

É claro que o problema é quando essas posturas são exacerbadas a ponto de extrapolar limites, sobretudo quando resvalam em preconceitos. Mas esses momentos de ápice só são possíveis para quem tem usa frequentemente a ferramenta para exprimir opiniões, por mais ordinárias que elas sejam.

Jornalista é jornalista no trabalho, na folga ou nas redes sociais. Tudo isso contribui para a construção de um perfil. Depois de tantos exemplos que repercutiram muito no mercado brasileiro de comunicação, espero que as pessoas comecem a assimilar isso.

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