O catalão de Neymar e o smartphone

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O “Esporte Espetacular”, dominical da “TV Globo”, exibiu no mês passado uma entrevista exclusiva com o inglês David Beckham, que defendeu o Paris Saint-Germain até o fim da temporada 2012/2013 do futebol europeu. Além de ter sido solícito e efusivamente elogioso em todo o bate-papo, o jogador se esforçou para gravar chamadas com o nome do programa. A tarefa demandou muito esforço para quem, como ele, não domina a língua portuguesa.

O português enrolado de Beckham lembrou o esforço feito por músicos internacionais que se apresentam no Brasil. Todos eles ensaiam um “muito obrigado” ou qualquer expressão simpática na língua nativa.

Na última segunda-feira, Neymar foi apresentado oficialmente como novo reforço do Barcelona. O ex-jogador do Santos foi recebido por um Camp Nou lotado, e as primeiras palavras que ele falou para os adeptos da nova equipe não foram em português. Aliás, não foram sequer em espanhol. O atacante arriscou uma saudação em catalão.

Quem conhece a história de orgulho da Catalunha e a pressão separatista que há na região sabe que Neymar foi extremamente feliz ao escolher “Visca el Barça!” como a primeira frase dita no novo clube. Preparação é isso.

Voltando à entrevista de Beckham, o inglês enfatizou dois aspectos: o amor que sente pelo futebol e o quanto ele é tímido / simples. Agora eu convido você a fazer um esforço de memória: quantas vezes você ouviu coisas similares de Neymar?

Neymar é tímido, e isso é inato. O ídolo santista não é expansivo, tampouco comunicativo. O ponto é que sabe esses atributos, que teoricamente soariam pejorativos, para construir um personagem simples, que desperta facilmente a empatia do público. Aos 21 anos, o atacante não é apenas a maior referência técnica do futebol brasileiro atual. Ele também é um modelo a ser seguido em termos de relação com a mídia.

É por isso que, ainda que não seja uma estrela consolidada na Europa, Neymar levou tanta gente ao Camp Nou na segunda-feira. É isso que explica o carinho que as crianças demonstraram com ele.

A personalidade de Neymar não é a mais adequada a um popstar. No entanto, o estafe dele soube lapidar essas características e criar um personagem extremamente eficiente. O atacante fala a diferentes tipos de público, tem um índice de rejeição baixíssimo e se esquiva habilmente de polêmicas.

Desde que foi alçado aos profissionais do Santos, Neymar mudou radicalmente nesse aspecto de postura e comportamento. O atleta passou por treinamentos, entendeu o que pode ser feito e ganhou uma porção enorme de conhecimento empírico.

A evolução de Neymar como porta-voz é um dos alicerces da construção do garoto-propaganda Neymar. Vale lembrar: o atacante foi no ano passado a terceira personalidade mais acionada na publicidade brasileira – perdeu apenas para o apresentador Luciano Huck e para a cantora Ivete Sangalo.

As mudanças na relação de Neymar com a mídia já eram perceptíveis quando ele estava no Brasil. Na Espanha, a grande alteração é a relação da mídia com Neymar. Em um primeiro momento, o motivo mais óbvio para isso é que acabaram as perguntas sobre quando ele sairá do país e qual time ele defenderá.

Também mudou um pouco o tom da relação. Neymar, ídolo no Brasil, era constantemente adulado quando atuava no país natal. Na Espanha, em contrapartida, o clima é mais de curiosidade em torno de uma aposta para o futuro do Barcelona.

Antes mesmo de entrar em campo, Neymar tem trabalhado para dissipar essas dúvidas. A postura do atacante, que escolheu o Barcelona e sempre enalteceu o clube, é parte disso. A saudação em catalão e as respostas bem engendradas também.

Outra resposta que chamou atenção na coletiva de Neymar: o atacante disse que foi ao Barcelona para ajudar o argentino Lionel Messi a seguir como o melhor do mundo. A comparação óbvia é com o comportamento de Robinho, outro ex-jogador santista. Quando trocou o clube alvinegro pelo Real Madrid, o atacante disse que uma das razões era um plano para ser o número 1 do planeta.

Robinho escancarou naquela época a vontade de ser protagonista. Neymar assumiu na última segunda-feira condição de coadjuvante. O discurso do novo candidato a astro oferece menos pressão e contribui para aproximar o ídolo dos torcedores.

É muito cedo para dizer se Neymar será um ídolo do futebol mundial – a despeito de tudo que ele já fez pelo Santos, o atacante ainda é uma referência limitada ao âmbito brasileiro. Contudo, o roteiro dele fora de campo já é um dos exemplos mais bem burilados de uso da comunicação para a construção de um astro no esporte mais popular do planeta.

O poder da imagem

Um dos exemplos do bom uso que Neymar faz da comunicação é o quanto ele sabe ser a própria mídia. No último treino que fez no Santos, o atacante colocou na cabeça uma câmera para capturar imagens da atividade.

O resultado foi pouco refinado, mas ofereceu ao público uma perspectiva diferente: a chance de combinar áudio de um jogo com a visão do atacante mais badalado do Brasil.

A gravação de Neymar foi publicada no canal oficial do Santos no site de vídeos Youtube. E isso serve como mote para uma discussão sobre decisão recente do jornal “Chicago Sun Times”. O periódico decidiu demitir toda a equipe de fotografia. É, TODA A EQUIPE.

Para compensar, a diretoria ofereceu cursos de capacitação aos jornalistas de texto. A ideia é começar a usar apenas imagens produzidas com smartphones.

A decisão do jornal foi extremamente criticada nos Estados Unidos. Sobretudo porque o jornalista fotográfico Robert Hart criou um blog provocativo para dizer que havia sido substituído por um iPhone.

A decisão do “Chicago Sun Times” custou 28 empregos, e isso gera um trauma claro, mas não pode ser avaliada apenas por isso. É fundamental que o movimento seja visto como símbolo de uma nova era na comunicação.

Imagens e textos são igualmente fundamentais para uma notícia. Quando decidiu demitir a equipe de fotografia, porém, o “Chicago Sun Times” não priorizou o texto. O movimento revela uma busca por uma visão diferente.

O que o jornal espera é uma visão como a da câmera na cabeça de Neymar. A ideia é colocar ali uma visão mais pessoal, ainda que ela tenha menos recursos técnicos.

A demissão coletiva, que no jornalismo é chamada de “passaralho”, é sempre traumática. Nesse caso, contudo, é uma aposta em um modelo diferente, mais focado na experiência.

A evolução da comunicação mudou radicalmente o comportamento de personalidades e criou novos paradigmas de comportamento para porta-vozes. Os jornalistas não evoluíram na mesma medida e ainda buscam caminhos para isso. Ab
rir mão da imagem técnica pode não ser a melhor das rotas, mas é uma tentativa.

Com novas mídias e várias plataformas para publicar conteúdo, qualquer um é mídia hoje em dia. Da mesma forma, os smartphones transformaram todos em fotógrafos. Nos dois casos, o principal desafio é saber captar e contar as histórias. Afinal, mesmo com saudação no idioma local, simpatia e comportamento ensaiado, a essência de um show ainda é sempre a música.
 

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

 

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