O técnico que eu quero

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José Carlos Brunoro, que voltou neste ano à direção do Palmeiras, costuma contar uma história que ele vivenciou na primeira passagem pelo clube.

O executivo era o homem forte da Parmalat, co-gestora do futebol alviverde, e a cúpula da equipe divergia sobre o nome do novo treinador. Ele sugeriu, então, a realização de entrevistas com os dois principais candidatos.

O primeiro postulante ao cargo chegou à reunião no Palmeiras vestindo um agasalho do clube em que ele trabalhava. Falou pouco sobre planejamento e demonstrou interesse especial sobre a data da apresentação no ano seguinte. O técnico estava preocupado com uma reforma que pretendia iniciar no telhado de casa.

Depois foi a vez de Vanderlei Luxemburgo. Egresso do Bragantino, o treinador ainda era um desconhecido quando foi entrevistado pelo Palmeiras. Chegou ao clube de terno, foi pontual e baseou a conversa em uma meta clara: ele queria ser contratado porque queria amealhar títulos e chegar ao comando da seleção brasileira.

O Palmeiras, é claro, escolheu Luxemburgo. Assim começou a montagem do time que fez enorme sucesso no início da Era Parmalat – o time alviverde ganhou dois Estaduais e dois Campeonatos Brasileiros entre 1993 e 1994.

A história de Brunoro costuma ser usada pelo executivo para explicar a importância de decisões racionais. No caso da escolha do técnico, o Palmeiras buscou mais elementos para saber qual dos dois era o melhor candidato.

Assim como fazem muitas empresas, o clube optou pelo profissional que se apresentou melhor, teve um discurso mais alinhado com a proposta da instituição e mostrou mais ambição.

Até o último fim de semana, eu costumava concordar com Brunoro. No caso de um técnico, porém, a contratação não pode ter o roteiro de uma entrevista de emprego comum. O treinador é o líder de um grupo e de um projeto do clube. Mais do que visual, metas e ambições, é fundamental que a instituição entenda se a proposta dele é alinhada com o futebol que a equipe quer.

E aqui não se trata de supervalorizar a importância dos técnicos. Treinadores têm um papel fundamental, sim, mas as decisões em campo são tomadas pelos atletas.

O problema é: os atletas tomam decisões com base no cenário que eles encontram e no repertório que carregam. As duas coisas (cenário e repertório) são consequências de uma proposta de jogo. É aí que entra o treinador.

Mais do que conhecer o profissional, o currículo e as metas dele, o que um clube deve se perguntar ao escolher um treinador é o tipo de proposta jogo que essa contratação vai oferecer à equipe.

Foi esse o meu principal pensamento após assistir ao clássico entre Barcelona e Real Madrid, disputado no último sábado, válido pelo Campeonato Espanhol. Jogando no Camp Nou, o time catalão venceu por 2 a 1 – Neymar fez o primeiro gol e deu um passe para Alexis Sánchez marcar o segundo.

A vitória ratificou o bom momento do Barcelona, que ainda não foi derrotado na temporada 2013/2014. A pergunta é: ainda que vença tudo, é esse Barcelona que os torcedores querem ver?

O time desta temporada é comandado por Gerardo “Tata” Martino, argentino que foi escolhido para substituir Tito Vilanova – o ex-treinador precisou se afastar para cuidar da saúde. Em poucos meses, o novo comandante mudou de forma radical a proposta de jogo do Barcelona.

O estilo do Barcelona ainda é baseado em controle da bola e marcação pressão, é verdade, mas há diferenças sensíveis entre os times de Vilanova (e do antecessor dele, Pep Guardiola) e a equipe de Martino. O novo formato é mais incisivo, usa mais passes longos e trabalha com linhas de marcação menos compactadas.

Com Guardiola e com Vilanova, o Barcelona dava a impressão de concentrar todos os jogadores em pequenos espaços do campo. O time trabalhava com associações, curtos deslocamentos e movimentação constante. Era um estilo claro e que se tornou uma marca.

Ainda que tenha preservado quase toda a formação titular, Martino criou um time que não pensa assim. O Barcelona que venceu o Real Madrid é muito mais competitivo do que o time de temporadas anteriores, mas encanta bem menos.

Hoje, para falar apenas da Espanha, o Celta tem uma proposta de jogo que lembra mais o Barcelona de anos atrás do que o próprio Barcelona atual. É impossível comparar a qualidade ou a eficiência, mas a equipe de Vigo tem conceitos similares aos dos catalães: obsessão por passes curtos, movimentação constante e defesa alta, por exemplo. O comandante é Luis Enrique, ex-jogador do próprio Barcelona.

O Barcelona de Martino pode vencer tudo que disputar na atual temporada, mas nunca vai ter o perfil que o time se acostumou a apresentar em anos anteriores. Será que a diretoria considerou tudo isso quando escolheu o novo treinador?

É claro, o estilo do Barcelona não foi moldado apenas por Guardiola e Vilanova. É o resultado de um projeto extenso, que envolve categorias de base e o perfil dos atletas do time profissional. Mas nada disso seria possível sem um catalizador adequado.

O exemplo do Barcelona faz pensar no futebol brasileiro. O que leva um time do país a contratar um treinador? Quais são os atributos que uma diretoria considera na hora de escolher um profissional?

Em 2013, o Grêmio contratou Renato Gaúcho pela identificação que ele tinha com a torcida por ter feito sucesso como atleta. O Internacional fez aposta semelhante com Dunga, e o São Paulo, com Paulo Autuori e Muricy Ramalho, escolheu técnicos que já haviam sido vencedores no clube.

Sem querer ser simplista ou reduzir as contratações a apenas um fator, é nítido que os históricos pesaram nessas apostas. E esses são apenas exemplos de algo comum no Brasil: nenhum dos técnicos foi escolhido pelo que defende como proposta de jogo.

O São Paulo é o mais claro exemplo disso. Quando Muricy Ramalho encerrou a passagem anterior pelo clube, a diretoria decidiu buscar alguém que tivesse mais abertura para a transição de garotos entre a base e o profissional. A ideia era reduzir a distância entre as duas realidades e criar um projeto integrado.

Muricy saiu do São Paulo, e o time não conseguiu ter estabilidade com nenhum outro treinador. Em 2013, a equipe fazia campanha ruim no Campeonato Brasileiro com Ney Franco, que havia sido contratado justamente pelo talento demonstrado na seleção brasileira sub-20. A diretoria escolheu Paulo Autuori. Depois de um período ruim com ele, resgatou o técnico tricampeão nacional. Difícil imaginar dois profissionais com leituras tão diferentes sobre o comportamento de um time.

A simples troca de um treinador carrega uma série de aspectos, mas uma pergunta é fundamental quando uma equipe decide fazer isso: qual profissional tem uma proposta de jogo que se ajusta mais ao que eu pretendo realizar?

O futebol brasileiro talvez não tenha profissionais com postura tão marcante quanto Guardiola, mas escolher um treinador também é definir uma forma de o time se comportar. E isso, é claro, tem relaç&at
ilde;o direta com comunicação.

Todo técnico é contratado para vencer, é claro, mas há vários caminhos para isso. Antes de escolher um profissional, é fundamental que a diretoria pense em qual imagem ela quer passar aos torcedores. Que tipo de time será mais agradável e condizente com o que os adeptos esperam?

No fim de 2013, o futebol brasileiro pode ter uma mudança de grandes proporções no comando de equipes da primeira divisão. Corinthians, Flamengo, Internacional, Santos e até o promovido Palmeiras são exemplos de times que ainda não definiram o comando para a próxima temporada.

Antes de pensar em qual técnico é mais vitorioso ou pode se dar melhor com o elenco, a pergunta é: que tipo de jogo esses times querem apresentar em 2014? A escolha do comandante do grupo vai influenciar diretamente nisso. O Barcelona está aí para mostrar o quanto.

O papel da comunicação é pensar na construção de uma marca e na relação dela com os consumidores. No caso de um time de futebol, essa relação é alicerçada no orgulho e na ligação emocional. Para isso, é fundamental que a equipe reproduza o que as pessoas esperam ver em campo. Escolher um treinador que não entregue isso é criar enormes empecilhos para o trabalho.

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