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Não é exagero dizer que o Grêmio de Renato Gaúcho abdicou da chance de disputar o título do Campeonato Brasileiro em 2017. Com um elenco que era como um cobertor curto, o treinador decidiu priorizar a Copa Libertadores, tirou os titulares do certame nacional sempre que se viu em maratonas de partidas e acabou premiado com a taça da competição continental. Até por isso, a vitória dos gaúchos por 5 a 1 sobre o Santos no último domingo (06) foi uma triste constatação para quem acompanha o futebol nacional: estamos diante de uma das maiores equipes que o clube tricolor já forjou, que reúne talentos como Arthur e Luan, mas o acesso a esse produto de alta qualidade acaba limitado por uma série de fatores externos.
Renato herdou de Roger Machado um Grêmio que tinha vocação para trocar passes e se movimentar em espaços curtos, mas atualizou e burilou de forma espetacular o trabalho de seu antecessor. A atual formação dos gaúchos consegue prescindir de laterais marcadores ou de volantes brucutus. Contra o Santos, os gaúchos tinham Maicon, Arthur, Ramiro, Luan e Éverton atrás do centroavante André. Muito talento para os padrões nacionais, e o reflexo disso foi um primeiro tempo com 67% de posse de bola. Ver o Grêmio jogar é um deleite para quem está acostumado com jogo reativo e as parcas ideias que pululam há anos em âmbito nacional.
Mas o Grêmio também é um retrato de um período mais curto do que o Campeonato Brasileiro. É um time que funciona agora, em maio, e que pode reagir de diferentes maneiras a fatores externos como calendário apertado e a janela de transferências. Todo esse modelo encantador, por exemplo, pode ruir se o Barcelona quiser que Arthur migre para a Catalunha no meio do ano ou se Luan encontrar mercado no exterior.
Esse é, ao mesmo tempo, um dos fatores positivos e um dos problemas do Campeonato Brasileiro. A imprevisibilidade do principal torneio nacional está diretamente ligada à imprevisibilidade dos próprios times. Há poucos exemplos no país de trabalhos que independam de nomes ou de características dos atletas. Um dos segredos do sucesso recente do Corinthians é exatamente a capacidade de subverter isso – o time tem uma estrutura estável e repete o modelo a despeito do que acontece fora de campo.
Do jeito que o cenário está posto, o Campeonato Brasileiro acaba sendo um torneio de recortes. Em 2018, por exemplo, a lista de fatores externos ainda conta com um calendário extremamente apertado e uma parada longa em função da Copa do Mundo. É justo que o futebol nacional pare no período em que for disputada a competição na Rússia, mas não adianta interromper a atividade nesse período e simplesmente concentrar no restante da temporada uma quantidade igual de jogos.
O Corinthians foi o campeão nacional de 2017 porque conseguiu aproveitar um período de calendário favorável e construiu no início do Brasileiro uma distância confortável para administrar no restante da temporada. A narrativa do título passou por um início forte e por um restante de temporada em que as deficiências de elenco do time paulista ficaram evidentes.
O Palmeiras campeão brasileiro de 2016 também passou por uma eliminação traumática na Copa Libertadores e por um calendário que ajudou na consolidação de um time que acabou a temporada com amplo domínio de seus rivais.
Mesmo o Corinthians de Tite, que encantou muita gente para ficar com a taça do Brasileiro em 2015, não foi um time que jogou durante toda a temporada um futebol condizente com a imagem que resultou daquela campanha. Os dirigentes locais são especialmente avessos a qualquer sinal de estabilidade ou convicção – a não ser que essa estabilidade seja a deles.
Esse futebol de recortes impossibilita análises mais profundas sobre a construção de times no Brasil e também serve de argumento para imediatismo. E é exatamente por isso que existe um perigo tão grande em narrativas como a da invasão de um treino do Vasco na última semana. O time carioca tinha acabado de sofrer uma goleada em jogo contra o Cruzeiro pela Libertadores, teve uma tarde de absoluto terror em São Januário e goleou o América-MG na partida seguinte. Existe um risco natural de que uma parcela do público associe uma coisa a outra.
A inconsistência de trabalho no futebol brasileiro não é um problema apenas para ideias e gestores. Em certo nível, também é essa imprevisibilidade um dos sustentáculos de uma espiral de violência e de discurso de ódio.
 

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