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A diretoria do Palmeiras não esperou o início da temporada 2018. Na última sexta-feira (13), um dia depois de o time paulista ter empatado por 2 a 2 com o Bahia em jogo válido pelo Campeonato Brasileiro, anunciou o desligamento do técnico Cuca, que havia sido contratado durante a atual temporada e tinha contrato até o término do próximo ano. A mudança corroborou aspectos como impaciência, instabilidade e sobretudo a falta de convicção que permeia o cenário nacional. O treinador vitorioso e badalado de outrora é o que não serve no dia seguinte. Entretanto, isso não encerra a lista de aspectos de comunicação e gestão que podem ser aferidos da decisão tomada pela cúpula alviverde.

Em primeiro lugar, é fundamental olhar para o que Cuca representa. O treinador tem uma extensa lista de bons trabalhos, mas tornou-se anacrônico. Agarrou-se a conceitos e métodos que não convencem seus atletas e não constroem ambientes vencedores. Pode ter sido campeão nacional assim em 2016, mas esse é o tipo de resultado que apenas o futebol acomoda. O Palmeiras vencedor do ano passado era um time que sofria demais, que tinha linhas espaçadas demais e que se apoiava demais em individualidades. Deu certo, mas eram muitos os elementos que indicavam um resultado contrário.

Há outros exemplos de treinadores que se tornaram vitoriosos sem terem desenvolvido ambientes vencedores. É o caso de Marcelo Oliveira, artífice do Cruzeiro bicampeão nacional em 2013 e 2014. O treinador conseguiu extrair daquele elenco um resultado incrível, mas fez isso a partir de métodos que dificilmente poderiam ser replicados. Ainda assim, tentou impor esses conceitos em todos os estágios seguintes. Tornou-se uma espécie de refém do próprio sucesso, e a consequência direta foi uma derrocada expressa. Na atual temporada, assumiu o Coritiba na 17ª rodada e tem a pior campanha do Brasileirão desde então.

Cuca já mostrou que pode ser diferente do modelo que tentou impor na passagem mais recente pelo Palmeiras. Montou equipes que pensavam e agiam de forma diferente, como o excelente Botafogo de 2007, mas não venceu com os trabalhos mais consistentes. A verdadeira virada de sua carreira aconteceu com o Atlético-MG de 2013, campeão da Libertadores em uma trajetória extremamente sofrida. Aquele “Galo doido”, que abdicava do controle das partidas e apostava num modelo de intensidade que beirava o suicídio, acabou correndo riscos que eram pouco condizentes com seu potencial. Não havia naquela temporada um elenco cujo poder de fogo se assemelhasse a um quarteto ofensivo com Bernard, Ronaldinho Gaúcho, Diego Tardelli e Jô, por exemplo.

Entre o trabalho consistente que sofria para amealhar resultados e os times claudicantes que cumpriam, Cuca preferiu fixar-se no segundo grupo. Ignorou que o elenco do Palmeiras de 2017 havia sido planejado com um conceito diferente, moldado para propor jogo, variar o ritmo e atuar com linhas próximas, por exemplo. Aboliu a marcação por zona e chegou a barrar o volante Felipe Melo com a justificativa de que ele não se encaixava na proposta de perseguição individual aos adversários.

Faltou, contudo, que esse projeto fosse bem comunicado aos jogadores. Olhando de fora, sem saber como foi o contato entre Cuca e elenco, a impressão é que o treinador não conseguiu mostrar ao grupo que era possível vencer com um modelo tão diferente do que os atletas entendiam como moderno e/ou adequado ao mundo atual. O grupo é composto por pessoas de diferentes naturezas e diferentes repertórios, mas uma coisa é fato: de alguma forma eles têm contato com o que é feito, produzido ou proposto nos principais centros do esporte. É difícil imaginar uma ilha em que ideias como as de Cuca, tão inusitadas para o contexto atual, sejam assimiladas sem qualquer estranhamento.

O zagueiro uruguaio Diego Lugano, do São Paulo, disse certa vez em entrevista que Tite, atual comandante da seleção brasileira, é um “encantador de serpentes”. A comparação tinha como principal foco a relação do técnico com jornalistas, mas serve para exemplificar também o conceito de comunicação no grupo de trabalho, um dos grandes trunfos que ele tem. Os jogadores que trabalham com Tite possuem alto nível de compreensão e de entrega, e isso tem relação direta com honestidade, clareza de ações e metas e atualização do treinador.

Não estou comparando Cuca e Tite, que são profissionais com perfis e focos diferentes em seus trabalhos. O ponto é apenas um: o atual comandante da seleção brasileira é um exemplo extremamente bem acabado de quanto o trabalho pode render mais se houver um bom fluxo de comunicação entre todas as esferas envolvidas. Ainda que os conceitos de Cuca sejam questionáveis e possam estar dissociados do futebol moderno, o resultado poderia ser amenizado por boas práticas de comunicação e convencimento.

Aí entra um aspecto relevante da decisão tomada pela diretoria do Palmeiras. A saída de Cuca tem relação direta com uma avaliação da cúpula alviverde, que julgou o treinador incapaz de extrair mais do atual elenco. Não por falta de capacidade, mas por barreiras de comunicação construídas ao longo do tempo em que ele esteve no clube.

Ao optar pela saída de Cuca, que também não falava com qualquer convicção sobre o que pretendia fazer na temporada 2018, o Palmeiras aproveitou o marasmo de sua reta final de temporada e antecipou o planejamento. A diretoria agora pode pensar com mais calma em quem contratar para o comando do futebol e como essa pessoa pode se relacionar com o elenco da próxima temporada.

A decisão do Palmeiras pode até ser a manutenção de Alberto Valentim, interino que vai comandar o time na reta final da atual temporada e que goza de muito prestígio com o elenco. O que o time paulista não pode fazer é postergar essa indefinição até o fim da temporada. Independentemente da escolha, a oportunidade criada com a saída precoce de Cuca é justamente a antecipação do planejamento.

O Palmeiras fez uma análise sobre o poder de comunicação e convencimento de Cuca, julgou que ele não poderia extrair mais do elenco e decidiu trocar o comando. Se esse foi o roteiro, a decisão foi totalmente acertada. A questão, no entanto, é que os pontos mais favoráveis do roteiro só podem ser concluídos se todo o projeto 2018 começar agora.

Condenar trocas de treinador é um clichê no futebol brasileiro, mas mudar o comando nem sempre é ruim. Ruim é fazer isso sem pensar no médio ou no longo prazo, sem saber aonde chegar. O Palmeiras ainda tem pouco mais de dois meses em 2017 para mostrar que sabia o tamanho da estrada quando começou a correr.

Nesse caso, a postura do Palmeiras também terá relação direta com comunicação. Se realmente se antecipar, ainda que faça isso a portas fechadas, o clube dará ao mercado e aos rivais uma importante demonstração de profissionalismo. Caso contrário, a saída de Cuca parecerá mais do mesmo. E mais do mesmo é sempre a pior alternativa para um projeto de comunicação.

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