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Miguel Herrera: excentricidades à parte, um treinador que sente e faz sentir. (Foto: Diário AS USA)

 
Por algumas vezes, lateralmente, escrevi aqui sobre uma certa dificuldade, que me parece crescente, para sentirmos de fato o jogo de futebol. O que isso significa? Basicamente, significa que o jogo está, aos poucos e em uma base regular, entremeado por tamanha racionalidade (científica ou qualquer outra) que os afetos, que nos trouxeram para o futebol um certo dia, estão simplesmente escanteados. As consequências da razão pura são claras: I) o jogo jogado será tão pior quanto pior for a qualidade dos afetos envolvidos; II) quanto pior for o jogo jogado, menor será o envolvimento emocional por ele causado.
Talvez seja um pensamento bastante particular, mas que certamente já lhe ocorreu de alguma forma. Pense comigo: qual foi o último jogo profissional praticado no Brasil (que não do seu time do coração ou da equipe em que você trabalha), que lhe deixou realmente imerso, envolvido? Qual foi a última vez em que você saiu de um jogo querendo ter sido parte daquilo? Para mim, talvez tenha sido Grêmio 0 x 0 Athletico Paranaense, há quase um ano (aliás, fique à vontade para deixar seu jogo nos comentários, talvez possamos encontrar algum caminho interessante). Temos excelentes profissionais em todos os níveis, temos ideias (ainda que se diga que não), temos vários jogadores de qualidade, mas parece que mesmo assim nosso jogo não alcança o campo das emoções.
De modo que talvez haja algo mais a ser considerado.

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Ultimamente, tenho lido o estupendo pedagogo Jorge Larrosa Bondía (para entender melhor de pedagogia e, portanto, de futebol) e concordo com uma das suas mais repetidas ideias: a experiência não é aquilo que acontece, mas sim aquilo que nos acontece. Mais uma vez: a experiência não é aquilo que acontece, a experiência é aquilo que nos acontece.Repare que existe uma diferença fulcral: não é experiência aquilo que apenas passa, pois para haver experiência, é preciso que aquilo nos toque, nos afete de alguma forma. Afinal, a experiência é única, não se repete para outras pessoas ou em outros lugares. Ótimo, e o que é preciso para que a experiência nos afete? Bom, é preciso abertura.
Não é possível que algo nos aconteça se não estivermos abertos, se não estivermos receptivos ao que se passa. Portanto, é preciso outra coisa, é preciso nos despirmos das nossas convicções e certezas, por mais seguras que sejam. Quem está certo de tudo, quem parte da resposta ao invés da dúvida, não pode ser afetado por nada. A quem não é afetado por nada, nada acontece – exceto a inexperiência. E aqui reside uma das minhas dúvidas, que tangenciei no começo deste texto: será que não estamos nos contaminando com tamanha racionalidade, muitas vezes de qualidade duvidosa e/ou irrefletida, que agora nos fechamos em armaduras tão intocáveis (que há quem chame de modernas), que tanto empobrecem o nosso debate como impede que sejamos afetados? Não seria uma hipótese aceitável?
Se sim, então talvez nosso problema seja duplo: por um lado, nós mesmos (treinadores, assistentes, analistas e afins) não estamos abertos à experiência advinda do futebol – nossa casca de certezas está sólida demais. Por outro, talvez os nossos atletas sejam confrontados com os mesmos problemas. Mas imagine você onde podemos chegar se nossos conteúdos permitirem não apenas que um dado atleta faça X gols a mais na temporada, mas também que ele consiga se perceber em constante mudança, consiga não apenas pensar, mas também sentir o jogo e os efeitos do jogo sobre si, dentro do campo e na vida vivida? O que seriam dos nossos garotos se os laços afetivos com clubes e com a vida fossem, em razão de um determinado percurso metodológico, ainda mais fortes? Que jogo poderia nascer dali?
A enorme comoção após a histórica classificação do Ajax sobre o Real Madrid, na última terça, não ocorreu apenas pela vitória em si. O Ajax nos fez sentir algo incomum – foi o protagonista de uma enorme experiência. Mas será que estávamos suficientemente abertos? Enfim, o fato é que não se esquecerá deste jogo tão cedo.

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Para além dos conteúdos, para além do logos, é preciso o pathos: é preciso cultivar às emoções. Sem elas, sem cuidar das relações, normalizamos a antítese do sentir. E isso se reflete claramente no nosso jogo.
É preciso ideias, é preciso trabalho e é preciso método. Se também não cuidarmos dos ajustes do treinar, não creio que seja possível entregar um futebol que nos afete. Portanto, cabe a nós criar as experiências adequadas, correto? Não exatamente. Pois talvez as experiễncias, incertas que são, não possam ser criadas.
Mas sobre isso conversamos outro dia.
 

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