Sobre os sabores do futebol

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Juanma Lillo, ao lado de Jorge Sampaoli: valem mais os saberes ou os sabores do futebol? (Divulgação: These Football Times)

 
Leio na página 63 do admirável Variações Sobre o Prazer, do Rubem Alves, uma citação de Friedrich Nietzsche, que gostaria de trazer para esta conversa. Aqui, Nietzsche escreve sobre Tales de Mileto. Tales, como sabemos, viveu por volta do século VII a.C e é tido, genericamente, como o ‘fundador’ daquilo que hoje chamamos de Filosofia. Segue o trecho:

“A palavra grega que designa o ‘sábio’ se prende, etimologicamente, a sapio, eu saboreio, sapiens, o degustador, sisyphos, o homem de gosto mais apurado; um apurado degustar e distinguir, um significativo discernimento, constitui, pois, […] a arte peculiar do filósofo […]. A ciência, sem essa seleção, sem esse refinamento de gosto, precipita-se sobre tudo o que é possível saber, na cega avidez de querer conhecer a qualquer preço; enquanto o pensar filosófico está sempre no rastro das coisas dignas de serem sabidas…”

Há cerca de um ou dois meses, tomei conhecimento da divulgação do relatório técnico da Copa do Mundo, pela FIFA. Mesmo antes de lê-lo, decidi que poderia ser de grande utilidade para esta coluna. Há duas semanas, ainda durante o UFMG Soccer Science Congress – que tangenciou o mesmo tema que abordo neste texto -, decidi folhear com menos desatenção o relatório, e me surpreendi com a quantidade intimidadora de informações: área média de ocupação espacial com e sem a posse da bola para cada equipe (em m²), distância média percorrida acima de 20km/h e 25km/h por equipe, média de entradas no último terço, número médio de cruzamentos e etc. Para minha segunda surpresa, em várias dessas estatísticas a França, campeã, tinha um desempenho simplesmente mediano. Por exemplo, das 32 seleções, a França foi apenas a vigésima no quesito posse de bola: 48% em média.
É evidente que números, quando frios, não nos dizem muito, mas não é este meu ponto. Meu ponto é que, com alguma pressa, poderíamos considerar todos os números que lá estão como uma expressão simplesmente maravilhosa, um exemplo do que nos acostumamos a chamar de progresso no futebol, ainda que a real utilidade de vários daqueles números seja bastante questionável. Ok, nós sabemos que a Suécia, quando ataca, ocupa um espaço médio de 712m². Mas até que ponto essa informação é realmente útil não para entender a Suécia – não é disso que se trata– mas, a partir do entendimento da Suécia, resolver os eventuais problemas oferecidos pelo jogo? Ou, por outro lado, se a Suécia é uma equipe que me agrada, seria então inteligente treinar minha equipe para jogar o mais próximo possível de 712m²?
Minha desconfiança é que, ao contrário do que Nietzsche nos sugere, nós estamos nos tornando cada vez mais devoradores, vorazes consumidores de informações quaisquer, sem sequer se preocupar com a digestão, sem selecionar, com o devido esmero, o que merece e o que não merece ser consumido. A ânsia pelos dados, a objetividade desvairada – que se estende em direção à imprensa especializada – se espalham pelo futebol e, na minha modesta opinião, contribuem para equívocos importantes, uma vez que o que se vê, no jogo, é muito pouco. O jogo está para muito além do visível.
Portanto, talvez o caminho não seja mais o do saber, talvez seja o do sabor. É preciso afiar nosso paladar, deixá-lo mais aguçado para que, de fato, possamos sentir os devidos sabores do jogo. Separar o essencial do acidental também é uma arte. Quantas das informações a que temos acesso não são absolutamente secundárias e servem apenas para aparentar um suposto progresso?
Por fim, repare que afinar o paladar é tarefa particularmente interessante porque é contraditória: é preciso sair do jogo para entendê-lo.
Mas, sobre isso, falamos posteriormente.
 

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