Tática: uma questão de biologia?

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Felice Accame em seu livro La zona nel calcio de 1994, conta que nas vésperas de um jogo contra a Fiorentina (pelo Campeonato Italiano 87-88), estava Arrigo Sacchi, então técnico do Milan, com sua família almoçando em um restaurante quando fora abordado por um torcedor que por ocasião de uma aposta com outros amigos tentava saber se seria Mussi, Filipo Galli ou Tassotti o responsável por marcar Baggio (naquela época, jovem promessa da equipe da Fiorentina). “Os três e nenhum dos três”; respondeu Sachi; “em nosso futebol não existe um homem encarregado de somente marcar. Porém cada um dos jogadores devem saber defender e atacar”.
Há dois séculos o futebol vem sofrendo de um grande fenômeno, que apropriando-se das idéias de Charles Darwin (Charles Darwin, não Charles Miller), eu chamaria de “Teoria Evolucionista do Futebol”.
Vejamos; existem registros que mostram que por volta de 1863 o sistema de jogo utilizado para se jogar futebol se assemelhava a um 1-1-8. Em 1870 já tínhamos algo parecido com o 2-1-7 que depois se tranformou em um 2-2-6. Veio o “WM”, o 4-2-4, o 4-3-3, o 4-4-2, o 3-5-2, o 3-6-1, chegando-se ao 4-5-1 (vedete da Copa do Mundo de 2006). Observemos que o futebol “evoluiu” do ataque para a defesa. Primeiro, uma grande preocupação com o fazer gols (muitos atacantes). Depois uma grande preocupação com o não sofrer gols (jogadores migrando para a defesa e meio campo).
O fato é que temos hoje, independente das representações numéricas para se explicar como se posiciona ou joga uma equipe, um grande número de jogadores que “compõem” o meio-campo.
Se no começo havia um jogador específico para essa região, hoje temos quatro, cinco, seis. E o que isso significa nos nortes da “Teoria Evolucionista do Futebol”? Significa que temos cada vez menos jogadores altamente especializados em atacar ou defender (construir,finalizar, fazer gols ou destruir,desarmar, evitar gols) e cada vez mais jogadores especialistas em atacar e defender (construir e destruir, finalizar e desarmar, fazer gols e evitar gols).
 


 

Se para o mundo de Dawin sobrevivem os mais fortes, no mundo do futebol “sobrevivem” aqueles jogadores com maior capacidade de se apropriar do “e” em detrimento do “ou“; que marcam e armam, que desarmam e finalizam, que defendem e atacam.
Ainda que se pesem os prós, contras e possíveis implicações da “Teoria Evolucionista do Futebol”, é fato, que têm tido cada vez mais importância para as equipes jogadores “especialistas-gerais”.
Isso deveria se refletir o mais rápido possível nas estratégias e postura tática das equipes dentro de campo. Não se trata de ressuscitar o “Carrossel Holandês”; bem distante disso. Trata-se de não mais conceber jogadores de defesa e jogadores de ataque (excessão feita a uma fotografia circunstancial de algum momento do jogo).
Uma equipe quando ataca também se defende, porque dentro da lógica do jogo não podemos mais acreditar que é a posse da bola que determina quem está atacando ou defendendo.
Podemos, por exemplo, entender a manutenção da posse de bola (o jogo horizontal, para os lados) como uma estratégia de defesa. Podemos, numa situação qualquer termos jogadores construindo ações para se chegar ao gol adversário enquanto outros da mesma equipe se reorganizam a cada passe para impedir que o adversário contra-ataque (em caso de perda da bola). A estratégia então deixaria de ser o como não sofrer gols, ou o como fazer gols, e passaria a ser o não sofrer e fazer gols ao mesmo tempo.
Então vejamos; nem é a posse da bola que determinará se uma equipe está se defendendo ou atacando, nem é a posição atribuída ao jogador que determinará se ele deve atacar ou defender.
Ataque e defesa são sistemas dentro do jogo que não se separam. Essa compreensão, muitas vezes, com pequenos ajustes e muita simplicidade pode trazer bons frutos. A seleção da França na Copa de 2006, por exemplo, conseguiu fazer com que a seleção brasileira desse diversos “chutões” da defesa para o ataque, sem permitir que a bola passasse pelos jogadores “armadores” de meio-campo. Como? Com jogadores franceses “armadores” e de “ataque” marcando pressão as reposições e saídas de bola.
É possível então ir na contra-mão dos especialistas, que têm buscado explicar sistemas de jogo através de representações numéricas cada vez mais desmembradas. O 3-5-2, que pode ser um 3-4-1-2, ou o 4-5-1 que pode ser o 4-4-1-1. Porque não o sistema de jogo “11”, onde todos participam em momentos diferentes do sistema defensivo e do sistema ofensivo ao mesmo tempo, em que se pode defender com quatro (e aí incluo o goleiro) enquanto se ataca com sete, em que se pode atacar com três enquanto se defende com oito, num mesmo jogo, em situações diversas.
E depois disso tudo, eu pergunto: ter três ou quatro volantes dentro de campo em uma seleção, em um jogo de Copa América, significa ter uma equipe defensiva? É a posição ou a função do atleta que determina a estratégia, os princípios e a dinâmica do jogo? (se a resposta for errada, corremos o risco de cobrar a solução errada!)
Infelizmente o termo “posição” tornou-se uma tatuagem gravada no atleta que o acompanha por toda a carreira. Volante é volante, meia é meia, ala é ala, lateral é lateral, zagueiro é zagueiro, atacante é atacante… O que será que Darwin diria?

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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