Refletir sobre o calendário da bola significa, de imediato, admitir duas variáveis: I) qualquer proposta costuma ser mais uma, é outra entre tantas contribuições; II) qualquer proposta deve admitir a existência de influências, usualmente econômicas, para além dos objetivos esportivos. As linhas que se seguem consideram as duas variáveis.
Este texto não está propriamente organizado de maneira linear. São meros apontamentos, notas não exatamente sequenciais. Serei mais objetivo nos temas que me parecem menos espinhosos. Naqueles mais difíceis, por sua vez, tentarei ser detalhado, mas sem exageros. Aliás, não espere ideias absolutamente inovadoras. É muito provável que a maioria destes escritos já sejam conhecidos, alguns deles até óbvios. Este, por sinal, parece um problema central: talvez ainda não saibamos como materializar o óbvio, em uma base regular.
Por ora, trataremos exclusivamente dos clubes de elite. Neste momento, me faltam tempo e ideias para discutir com a precisa seriedade os rumos dos clubes menores – talvez este texto seja até uma abertura para tal. Além disso, considere que os ajustes propostos tentam conciliar urgência com alguma dose de realismo. Por exemplo: hoje, me vejo favorável ao Campeonato Brasileiro, séries A e B, com dezoito clubes. É uma mudança urgente? Talvez. É realista? Não creio. Logo, não me alongo suficientemente sobre ela. Peço, por gentileza, que leia todo o texto com isso em mente.
Como veremos abaixo, há uma proposta bastante pontual, dirigida aos clubes paulistas e cariocas. Neste caso, aos outros clubes/federações, basta equiparar o número de datas proposto para fevereiro/março/abril aos objetivos de cada entidade. Acho prudente, neste período, não exceder a faixa de quinze jogos, fora os compromissos na Libertadores e afins.
Se este texto for minimamente reflexivo, sem ser entediante, me sinto realizado. Para complementos e sugestões, estou absolutamente disponível nos comentários.
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Para começo de conversa, qual é a função de um calendário? Repare que é uma pergunta capciosa: poderíamos aqui nos estender, exaustivamente, em busca de uma definição inequívoca – mesmo que ela, na realidade, não nos levasse a lugar algum. Vamos então pensar pelo avesso: qual não deveria ser a função de um calendário? Um calendário não deveria, por exemplo, servir unicamente para organização de datas e horários das partidas de uma dada entidade. Essa é a parte mais simples! – ou, se você preferir, essa é a parte que já funciona. Afinal, as datas e competições estão devidamente agendadas e mesmo assim nos dedicamos a criticá-las e a refletir sobre elas. Por isso, parece razoável pensar que a questão não está no calendário em si, mas nas ideias que residem, silenciosamente, por trás dele.
O calendário me parece concretizar a visão, o olhar de toda uma entidade sobre seu próprio futebol. Ou seja, se o problema que mais nos aflige, por ora, é o número obsceno de partidas, talvez isso reflita uma visão que é majoritariamente quantitativa. Logo, não admira que nosso jogar não expresse, cronicamente, a qualidade que gostaríamos – ela não é uma prioridade, afinal. É por isso que considero salutar a definição de uma visão que guie o nosso futebol: o que esperamos do mais alto nível de futebol jogado no Brasil? Qual é o perfil do atleta que joga profissionalmente nas primeiras divisões? Como o Campeonato Brasileiro espera ser reconhecido, local e internacionalmente? Caso exista algo neste sentido, admito que desconheço. Ao mesmo tempo, se esta direção existe, ela não parece clara, sob hipótese alguma, no calendário nacional de competições.
Este olhar se materializa de diversas formas. Por exemplo, todos nós estamos cientes da elevadíssima troca de treinadores que enevoa nosso futebol. No último ano, é importante lembrar, apenas Cruzeiro, Grêmio e Internacional (na Série A) mantiveram seus treinadores durante toda a temporada. É evidente que há diversas outras variáveis que resultam nas trocas, mas chamo a atenção para apenas uma delas, geralmente invisível: o número grotesco de partidas também é, naturalmente, um estímulo inequívoco para a demissão de treinadores. Neste nível de exigência, cada jogo representa uma nova possibilidade de demissão. Na verdade, um alto número de jogos dá a ilusão de que sempre há tempo para mudanças de rota, sempre há tempo de uma nova aposta, de um novo modelo – ainda que eles não sejam minimamente coerentes. As mudanças de rota, nós bem sabemos, começam (e muitas vezes terminam) em treinadores e treinadoras.
É claro que a visão do futebol brasileiro deveria ser tema de extenso debate entre todos nós, profissionais da área. Os primeiros dias de dezembro, aliás, poderiam receber um evento importante, que reunisse a todos nós para discutirmos seriamente sobre futebol – apenas nos primeiros dias, sem comprometer as férias de ninguém. Por ora, proponho aqui uma ideia preliminar, sem muito rigor, apenas para guiar o meu texto. Pensemos em um calendário que tenha como objetivo a maior qualidade associada ao menor desgaste, permitindo o desenvolvimento de atletas e equipes locais, além da sustentabilidade de clubes, federações, patrocinadores e demais interessados.
Isto posto, podemos iniciar.
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Começando pelo fim: não vejo qualquer razoabilidade em haver jogos em dezembro. É bem verdade que há temporadas em que é preciso lançar mão da primeira semana do mês, mas o ideal seria encerrar todas as atividades na última semana de novembro. Explico: primeiro, para o óbvio descanso de atletas, treinadores e comissões técnicas, cujo desgaste físico e mental é sabido por todos, mas verdadeiramente sentido apenas pelos que lá estão. Depois, porque é preciso sair do futebol para retornar a ele. Dezembro e janeiro, na verdade, deveriam ser períodos de distanciamento, inclusive para o torcedor médio, que parece afogado (inclusive financeiramente) no oceano de partidas oficiais do próprio clube. Assim como o calendário também é responsável por criar um interesse genuíno no torcedor e no público em geral durante o ano, nele também deve estar uma espécie de falta, de ausência que permita a sua própria valorização. Este parece um desafio particularmente difícil em tempos de hiperexcitação.
Para janeiro, portanto, proponho um primeiro ajuste, bastante pontual: não acho razoável haver qualquer partida oficial para os clubes envolvidos na Série A do Campeonato Brasileiro. Se fincarmos como objetivo a maior qualidade associada ao menor desgaste, então não faz sentido ferir profundamente um período altamente decisivo da temporada. Este deve ser o mês de cultivo do modelo, das ideias de cada treinador, a serem refletidas ao longo das semanas e dos meses seguintes – se houver tempo, é claro. Ao mesmo tempo, é o mês para dar aos atletas a prevenção adequada contra quaisquer lesões – inimigas mortais da qualidade do jogar em um calendário saturado como o nosso. Mas repare, como dissemos anteriormente, que todos esses são conceitos absolutamente básicos.
Aos clubes que disputam os Estaduais, mas não estão na Série A do Campeonato Brasileiro, proponho que iniciem a temporada, como veremos abaixo, a partir da segunda quinzena de janeiro. Não vejo motivos convincentes para se jogar futebol profissional antes disso. Mas, se os clubes da Série A jogam oficialmente apenas a partir da primeira semana de fevereiro, é evidente que isso tem algum impacto.
Vejamos.
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Um dos maiores problemas dos Estaduais não reside apenas nas datas intermináveis. Reside na inegável disparidade entre grandes e pequenos – puramente amenizada nos primeiros instantes da temporada. Do ponto de vista esportivo, este é um conflito absolutamente sério, pois o calendário não permite nem que parte dos clubes menores se prepare adequadamente para o ano (até porque, neste caso, o ano pode ter poucos meses), assim como não permite que os grandes se preparem, de fato, para os desafios nacionais e internacionais que se sucedem. Em suma, a contribuição esportiva da maioria dos jogos dos Estaduais é bastante limitada.
Correndo certos riscos, minha primeira proposta (bastante pontual, como avisado anteriormente) é a retomada do Torneio Rio-São Paulo. Dois grupos de quatro equipes, duas de cada estado, se enfrentam dentro do grupo, em turno único. Semi-finais e final em jogo único – sempre com a equipe de melhor campanha como mandante. O campeão, portanto, faz cinco jogos (os quatro eliminados na primeira fase, repare, fazem apenas três). Todos os jogos são realizados em fevereiro. Como proponho que os oito grandes clubes entrem nos Estaduais apenas em uma segunda fase, jogada a partir de março, não haverá conflito de datas.
Não estou ciente dos interesses que motivaram a criação e a posterior descontinuidade do Rio-São Paulo, mas o fato é que se trata de um torneio curto, simples, cercado de rivalidades e, especialmente, com adversários de bom nível – ao menos presumivelmente. Promover o máximo possível de partidas contra adversários nivelados é condição sine qua non se a ideia for o desenvolvimento de atletas e equipes locais. Este é um termômetro suficientemente interessante para mensurar o trabalho realizado em janeiro, e depois adaptá-lo, tendo em vista a continuidade da temporada.
Pensemos em um clube eliminado nas semi-finais do Rio-São Paulo. Este clube, portanto, disputou quatro jogos. Em razão dos dois meses de pausa e da tradição do adversário, é absolutamente provável que os quatro jogos da primeira rodada, inclusive aquele disputado por este clube hipotético, tenham ótimo público/renda. Este fato não necessariamente se confirma nos Estaduais. Repare na diferença, inclusive anímica, que isso representa. Considere ainda viagens curtíssimas, desgaste absolutamente controlado. Qualidade sobre quantidade.
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Por ora, não vejo mudanças estruturais significativas na Libertadores e na Copa do Brasil. Começando pelo fim, a Copa do Brasil tem uma função bastante interessante: alimenta os espíritos mais atiçados pelos mata-matas. Em um passado não muito distante, havia uma resistência bastante razoável ao Campeonato Brasileiro por pontos corridos – ainda há, está escondida – mesmo que absolutamente todas as outras competições disputadas por clubes brasileiros fossem eliminatórias. Neste sentido, a Copa do Brasil preenche substancialmente os fetiches eliminatórios ao mesmo tempo em que, agora, o faz acolhendo os clubes da Libertadores – o que parece ter elevado consideravelmente o nível. Da mesma forma, distribuir a Copa do Brasil ao longo do ano soa bastante salutar. Faço uma ressalva sobre a retirada do critério do gol qualificado, que me agradava muito – não ouvi ainda um bom argumento para sua retirada.
Na Libertadores, por sua vez, corre este regulamento que beira o icônico: oito grupos de quatro, em turno e returno, classificam-se dois. Não me parece haver objeções aqui, assim como na distribuição da Libertadores pelo ano todo. O entrave maior me parece residir nas primeiras fases. Os quatro jogos decisivos da primeira fase da Libertadores acontecem em um momento delicado da temporada, sem a devida preparação e, especialmente, acompanhados de um inacreditável diálogo com os Estaduais. Desconfio que me agrada a ideia de ter apenas uma fase eliminatória – o que implica portanto, não apenas menos clubes na Libertadores, como menos brasileiros classificados. A saber o interesse.
Sobre a Copa Sul-Americana, havia preparado mentalmente uma extensa lista de argumentos para defender uma estrutura análoga à UEFA Europa League, mas desconsiderei a entrada posterior dos oito clubes que chegam da Libertadores. Seis jogos da fase de grupos seguidos de mais dez eliminatórios levariam o campeão a fazer dezesseis jogos, contra os doze que hoje são necessários. A implementação de uma fase de grupos parece interessante porque a Sul-Americana, aos meus olhos, parece uma competição que demora a engrenar – e um termômetro é o interesse dos torcedores que não estão na competição. Na Libertadores, por exemplo, o interesse é geral desde os primeiros jogos da fase de grupos, e não creio que isso ocorra puramente pela qualidade das equipes. Enfim, temos aqui um entrave razoável. Mas repare, novamente, que reduzir o tamanho da competição seria um caminho bastante interessante.
Pensemos que um mesmo clube hipotético dispute a Libertadores desde as primeiras fases e seja eliminado nas quartas-de-final. Foram, portanto, quatorze jogos. Na Copa do Brasil, o mesmo clube caiu nas semi-finais e, como veio da Libertadores, fez então seis partidas. Some-se a isso os jogos do Rio-São Paulo e, até agora, temos vinte e quatro compromissos.
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É evidente que as tensões relativas ao calendário estão primordialmente expressas no locus dos Campeonatos Estaduais. Objetivamente, meu ponto é o seguinte: os estaduais têm, para além de um significado esportivo, um significado cultural quase que inestimável. As rivalidades brasileiras, que formaram inclusive nosso ethos como torcedores, nasceram das competições regionais. Além disso, como sabemos, são os estaduais que dão sobrevida à uma série de clubes que, ao menos como se desenha o mercado futebolístico (acompanhando os delírios mercadológicos mundiais), estão marcados para morrer. Matar os Estaduais, na minha modesta opinião, significa matar parte significativa do passado, presente e futuro do futebol que se pratica no Brasil – ainda que parte importante dele seja invisível. Assim, não sou favorável, sob nenhuma hipótese, ao seu término. Proponho adaptá-los.
Fiquemos no exemplo paulista. Em primeiro lugar, vejo os quatro grandes clubes não mais disputando os estaduais desde o início, mas a partir de um segundo momento. Isso significa que, tendo em conta o regulamento atual, o Campeonato Paulista continuaria com vinte clubes, sendo que dezesseis deles disputam a primeira fase. Os quatro grandes entram apenas em um segundo momento.
Os dezesseis clubes iniciais estão divididos em dois grupos de oito, divididos por um coeficiente de rendimento ou algo do tipo. Chamemos aqui de grupos A e B. Os clubes do grupo A enfrentam os do grupo B, em turno único, de modo que cada clube faz oito jogos – quatro como mandantes, quatro como visitantes. Ao término da primeira fase, os quatro melhores de cada grupo se classificam – ganhando o direito, portanto, de se juntar aos quatro grandes. Ao mesmo tempo, vejo os eliminados disputando um torneio análogo ao Trofeu do Interior, novamente em turno único, todos contra todos. Evidentemente, daqui saem os rebaixados à Série A-2. Assim, mesmo os clubes eliminados na primeira fase terão, garantidos, quinze jogos a disputar.
Voltando aos classificados, temos agora doze clubes (oito classificados + quatro grandes). Eles estão divididos em dois grupos (chamemos de C e D), de seis clubes cada. Em turno único, o grupo C enfrenta o grupo D. Os quatro melhores classificados de cada grupo passam às quartas-de-final que, ao lado das semi-finais, são disputadas em jogo único -mando da equipe de melhor campanha. Os dois classificados fazem a final, esta sim, em jogos de ida e volta. Portanto, se o campeão for um clube do interior, ele terá feito dezesseis jogos. Por sua vez, se o campeão for um dos clubes da capital, terá feito somente dez jogos. Número de partidas drasticamente reduzido, rivalidades mantidas, sobrevida ao interior. Voilà.
No caso do Rio, por exemplo, a lógica é a mesma. Sem os quatro grandes na primeira fase, restam doze. Dois grupos de seis, turno único, jogos contra o outro grupo. Classificam-se três de cada chave. Os classificados se somam aos quatro grandes na segunda fase. Aqui, são vários os cenários possíveis. Por ora, o que mais me agrada é o seguinte: todos contra todos, em turno único. Isso significa que, das nove rodadas, em seis teríamos clássicos. Daqui, sairia o campeão da Taça Guanabara (mantivemos a tradição!). Classificam-se quatro clubes, semi-finais e final em jogo único -aqui reside uma das vantagens de se ter um Maracanã. Aqui, onze jogos para os clubes da capital.
O mesmo raciocínio segue para qualquer outro estado. Dez jogos, aproximadamente, para clubes da Série A. Considere que, no caso específico de paulistas e cariocas, propusemos datas para o Rio-São Paulo. Assim, para qualquer outra federação, basta fazer as devidas adaptações.
Suponhamos que nosso clube imaginário tenha disputado o Campeonato Paulista e chegado às semi-finais. Logo, some-se mais oito jogos oficiais.
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Sobre o Campeonato Brasileiro, faço um apontamento inicial: uma das vantagens da redução dos Estaduais não reside apenas na questão esportiva, mas também afetiva, digamos assim. É de uma desvalorização ímpar começar o Brasileiro na semana imediatamente seguinte ao término dos Estaduais. Os campeões mal comemoraram, os perdedores sequer puderam digerir seu insucesso e, sem qualquer pausa, sem nenhuma expectativa, começa aquela que deveria ser a expressão do mais alto nível de futebol praticado no país. No mínimo, sugiro uma semana de pausa entre o fim dos estaduais e o início da Série A – o que é possível caso sejam feitas as adaptações sugeridas acima. Façamos isso apenas uma vez e vejamos se o público e talvez até o nível dos jogos das primeiras rodadas não serão melhores.
Sobre a fórmula de disputa, não vejo muitas arestas para discussão. Turno e returno, pontos corridos. Não porque os pontos corridos sejam mais justos (acho um argumento inconsistente, embora repetido), mas porque dão aos clubes, atletas e patrocinadores uma espécie de garantia que as disputas eliminatórias não dão. Se pensarmos na sustentabilidade de clubes, federações, patrocinadores e demais interessados, este é um caminho absolutamente coerente. O ajuste que proponho é estrutural: sinto que a qualidade do jogo praticado no Brasil será maior se o Campeonato Brasileiro não tiver vinte, mas dezoito clubes. Menos jogos, mais treinamentos, menor distância técnica entre os extremos da tabela. Da mesma forma, sinto que a redução de vinte para dezoito clubes também fortalecerá o nível da Série B – pelos mesmos motivos, considerando ainda as viagens pornográficas a que estão submetidos os clubes da segunda divisão. Voltando à Série A, vejo cerca de apenas oito clubes classificados para as competições internacionais. Se me permitem, não há qualquer razoabilidade esportiva quando o décimo quarto colocado corre o risco de ser premiado com uma competição internacional no ano seguinte.
Sobre o rebaixamento, em uma fórmula com dezoito clubes, imagino dois deles diretamente rebaixados. Me admira que um país tão obcecado pelos mata-matas não tenha sequer considerado a possibilidade, como se faz em outras ligas de bom nível, de criar play-offs para acesso e descenso. Acho altamente razoável, por exemplo, um confronto entre o décimo sexto e terceiro colocados, respectivamente, das Séries A e B. Jogos de ida e volta, mandos definidos por sorteio. Lotação máxima nos dois jogos, ótimas rendas. Parece muito interessante.
O Campeonato Brasileiro tem uma peculiaridade bastante importante: a extensão territorial significa não apenas um enorme desafio do ponto de vista logístico (basta lembrar que o Sport, em 2017, viajou cerca de 75mil quilômetros), mas também do ponto de vista fisiológico. O Brasil tem seis biomas terrestres diferentes, e não é aceitável naturalizar (ou esperar máxima performance) que um atleta jogue, em um intervalo de sete dias, nos Pampas, depois na Caatinga e, por fim, na Mata Atlântica. São diferenças absolutamente importantes e, mais do que isso, peculiares: são exclusivas de um país de dimensões continentais como é o Brasil, e devem estar na base da pirâmide se, novamente, o objetivo for um jogar de qualidade. Deve haver alguma matriz ou algoritmo que permita construir um calendário mais humanizado neste sentido, otimizando o trabalho de clubes e profissionais diversos.
Outro ponto que me ressalto aqui é a janela do meio de temporada. É bem verdade que os clubes precisam negociar alguns dos seus jogadores e os próprios atletas, muitas vezes, desejam ser negociados. Ao mesmo tempo, são absolutamente deletérias, do ponto de vista esportivo, as mudanças sofridas por vários dos elencos da Série A no decorrer da competição. – como esperar qualidade neste cenário? Quem paga essa conta, novamente, são os treinadores e treinadoras. Me pergunto, na esteira do que dissemos anteriormente, quantas trocas seriam evitadas se houvesse algum mecanismo protecionista que permitisse maior estabilidade dos elencos durante a temporada e negociações em momentos apropriados.
Considerando a estrutura atual, qualquer clube faria, portanto, mais 38 jogos. Repare que, em caso de dezoito clubes, seriam 34 partidas (exceto para os clubes envolvidos nos play-offs, que fariam 36).
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Nosso clube hipotético terminou sem títulos (ou seja, seria provavelmente criticado), mas classificou-se à Libertadores do próximo ano. Somando todas as partidas, chegamos ao número de 72 jogos na temporada. Em condições normais, convenhamos, não é um número digno de comemoração.
Mas, ao mesmo tempo, há uma questão de perspectiva: este mesmíssimo clube, chegando às mesmas fases em cada competição, no calendário atual (excetuando Rio-São Paulo e acrescentando os jogos do Paulista) faria incríveis 80 jogos. Ou seja, com pequenos ajustes, já obtivemos uma redução de 10%. Isso é digno de nota.
Mas, nos 72 jogos que apresentamos, janeiro e dezembro estão poupados. Houve uma semana de pausa entre Estaduais e Brasileiro. Houve mais sessões de treinamento em elevados domínios de intensidade fisica e cognitiva – não apenas treinamentos regenerativos. Haveria, provavelmente, os devidos espaços para as datas FIFA, outro problema inquestionável. No cenário que apresentamos, este clube precisaria disputar as prévias da Libertadores. Se estivesse diretamente classificado, teria quatro jogos a menos (ou seja, 68). Se o Campeonato Brasileiro fosse ajustado, como propusemos, este mesmo clube teria disputado cinco trofeus (um a mais do que hoje), fazendo 64 jogos.
Para o cenário atual, é um número simplesmente espetacular.