A Timemania e o dever cívico de não ir mais aos estádios

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Caros e eventuais leitores,
 
Venho nesta minha primeira coluna conclamá-lo a fazer um ato público de cidadania. Bem se sabe que estamos no meio do período em que nos lembramos que vivemos em uma democracia direta e universal, e que precisamos estar conscientes de fazer o que estiver ao nosso alcance para que consigamos manter um sistema equilibrado que respeite a nossa liberdade e a do próximo, de modo a estabelecer uma convivência pacífica em uma sociedade organizada. Convoco-o, portanto, a exercer o seu papel de cidadão.
 
E se você é um brasileiro no pleno exercício de sua cidadania, que possivelmente não desiste nunca, não mais vá a jogos de futebol. Não se dê ao trabalho.
Não pelo alto risco envolvido para a segurança pessoal, não pelas dificuldades de acesso, não pela falta de estrutura, nada disso. Não vá porque não é pra você ir.
 
Acredite, você não precisa.
 
No Brasil, aparentemente, futebol não foi feito pra ser visto pela torcida, e a maior evidência desse fato acabou de ser aprovada por parte do Poder Legislativo e sancionada pelo Poder Executivo.
 
A Timemania, a tão falada nova loteria federal destinada a tirar os clubes de futebol do buraco, traz à tona o significado dos clubes de futebol para o Estado brasileiro e expõe, em parte, algumas razões do porquê do cenário atual da indústria do futebol local.
 
Na nova loteria, essencialmente, o apostador escolhe alguns escudos de alguns clubes e torce para que a combinação escolhida seja sorteada. É um pouco semelhante à Mega-Sena, a mais famosa das loterias nacionais, que possui uma probabilidade de acerto de 1/50.063.860. Não sei exatamente qual será a chance de acertar na Timemania, mas fácil não vai ser, nem um pouco. Possivelmente seja muito mais provável o Santa Cruz ser campeão brasileiro desse ano.
 
Com a Timemania, o governo federal descobriu um jeito de desemperrar parte do caixa dos clubes sem ter que perdoar a enorme dívida pública que eles contraíram ao longo dos anos. É uma situação em que, aparentemente, todos saem vencendo. Mas como pra alguém ganhar um outro alguém precisa invariavelmente perder, sobrou pro de sempre, pro cidadão brasileiro. É ele que, através da ilusão do enriquecimento simples e fácil, pagará pelas improbidades administrativas cometidas pelos clubes ao longo de diversas gerações.
 
Isso porque eu tenho uma firme convicção de que quem eventualmente comprar uma cartela da Timemania estará se preocupando bulhufas em ajudar os clubes. Aliás, é provável que uma boa parte dos apostadores da Timemania sequer gostem de algum clube de futebol e jamais tenham ido a um estádio na vida. Ninguém vibrará com jogadas de efeito e gols, apenas com símbolos sorteados. No fim, o que interessa mesmo é o dinheiro da premiação, principalmente para as classes mais desfavorecidas da população, que tendem a ser as grandes consumidoras de loterias. E dinheiro é o que também, no fim, interessa ao governo, que sabe que dificilmente conseguirá reaver a dívida de outra forma.
 
Curiosamente, a Timemania não envolve em momento algum o jogo de futebol em si, apenas as marcas dos clubes. E isso demonstra claramente o papel que os clubes de futebol exercem hoje no país: meros símbolos. Um fomento ao jogo de azar. Um instrumento de um esquema ilusório que faz uso da omissão estatística, do débil ambiente nacional e das quase intransponíveis barreiras de escalada social para pagar a conta de terceiros.
 
No Brasil, clubes de futebol existem apenas para existirem. Não precisam se estruturar, não precisam oferecer um serviço que seja adequado ao valor pago, não precisam nada, talvez nem mais disputar uma partida de futebol minimamente decente. Não, basta existir.
 
Aqui, também, o torcedor sequer precisa se preocupar em comprar um ingresso e ir ao estádio. Afinal, quem paga a conta do futebol não é ele, é o cidadão comum. Se possível, na lotérica mais próxima.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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