Cabeça de 2007

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Você se lembra do ano 2000?
 
Eu lembro pouco. Minha memória, definitivamente, não é a minha melhor amiga. Aparentemente, tivemos algum affair no passado. Não me recordo.
 
Mas nada que a internet, esse bendito instrumento que substitui o cérebro, não consiga resolver.
 
Pois vamos lá.
 
O ano 2000 foi um ano peculiar. No momento em que ele começou, o mundo se sentiu mais leve. Afinal, o bug do milênio não aconteceu. As coisas não entraram em colapso por causa do calendário dos computadores. Todo mundo respirou mais aliviado.
 
Aliás, a tecnologia foi uma das grandes vedetes do ano 2000. Primeiro, não houve o Y2K. Depois, em compensação, houve o estouro da bolha da internet. Muita gente perdeu emprego e dinheiro. Um caos. Para restabelecer o balanço entre as coisas boas e as coisas ruins, o ying e o yang mundial, lançaram o Playstation 2. Entre uma internet superfaturada e um PS2, confesso que pendo para o lado do Winning Eleven.
 
Em 2000, foi o ano que eu entrei na faculdade, acredite. Naquela época eu não dava bola pra muita coisa que interessasse ao resto do mundo em particular. De importante para o meu universo, naquela época, é que então foi lançada a última tirinha do Charlie Brown, coisa que ninguém deve se lembrar e/ou sentir muita falta. Foi, também, o ano do No Limite, que rendeu horas de discussões acadêmicas bastante, muito, aprofundadas. Outro assunto que rendeu algum tempo de conversação foi a novela Laços de Família, muito por conta de um colega de sala que era algo como a versão bizarra do Miguel Soriano, papel interpretado por Tony Ramos. Foi nessa novela que a Carolina Dieckman raspou a cabeleira. Lembrou?
 
Ademais, em 2000 o presidente do Brasil ainda era o FHC e o presidente do Peru ainda era o Fujimori, que eventualmente acabou por renunciar o cargo. Nesse ano, Putin foi eleito presidente da Rússia, Bush foi eleito, ou não, presidente dos EUA, e Marta Suplicy pôde relaxar como prefeita eleita de São Paulo.
 
Foi também o ano em que a Ambev foi criada, que o garoto Elián González serviu de faísca para mais uma treta entre EUA e Cuba, que o genoma humano foi decifrado e que o ônibus da linha 174 no Rio de Janeiro foi seqüestrado.
 
No mundo esportivo, o Brasil acompanhava o desenvolvimento da CPI do Futebol, e Luxemburgo acompanhava o circo que se armava por causa das declarações da sua secretária, e por causa do fracasso da seleção nas Olimpíadas de Sidney. No começo do ano, Rivaldo foi eleito o melhor jogador do ano pela FIFA. No meio do primeiro semestre, Ronaldo estourou o joelho pela segunda vez no jogo da sua volta aos gramados pela Inter de Milão. No meio do ano, Guga venceu Roland Garros pela segunda vez e Rubinho conseguiu sua primeira vitória na F1 depois de 123 corridas. No fim do ano, a Fifa elegeu Pelé e Maradona como os melhores jogadores do século. Eu queria também dizer que no fim do ano o Vasco se sagrou campeão da Copa João Havelange, que em 2000 substituiu os campeonatos brasileiros, mas, como você bem deve saber, isso só aconteceu no ano seguinte.
 
Em 2000, por fim, o Brasil fez 500 anos. Teve festa e tudo mais. Pena que foi um desastre completo, que, bem verdade, era bastante previsível.
 
Agora, estamos em 2007. Fazendo as contas, de cabeça, são sete anos de separação. Sete anos de grandes transformações, de mudanças econômicas, políticas e culturais.
 
Sete anos, também, é o que nos separa de 2014.
 
Analisando o tempo de trás, é possível prever o que vem no tempo da frente. Ou, pelo menos, ter uma idéia do tamanho das mudanças que ocorrerão até lá. Sete anos é muita coisa. O mundo vai mudar, o país vai mudar e você também vai mudar. Você consegue se imaginar daqui sete anos?
 
Pois bem. Tudo isso para levar a você uma certa desconfiança que eu tenho com relação ao modo com que está sendo tratada a Copa de 2014. Não só pelos responsáveis diretos, mas por todos. Você, eu, todos.
 
Tenho ficado com a impressão de que paira a idéia de que a Copa já está pronta. Que é só construir, que é só investir. Ainda não vi alguém fazendo alguma previsão de como o mundo estará em 2014.
 
Em sete anos, como visto aqui, muita coisa vai mudar. Novas coisas serão inventadas, outras tantas coisas serão abandonadas. Não vejo, pelo menos até agora, nenhum plano que considere um cenário mais abrangente ou que leve em conta alguma medida de contingência. E se o Brasil não se classificar para a Copa de 2010, como vai ficar a Copa seguinte? E se em 2014 estivermos em 12º lugar do ranking da FIFA, as pessoas ainda vão se importar com a seleção? E se não gostarmos mais de futebol e preferirmos assistir partidas sangrentas de Rollerball? E se o Chávez invadir o Brasil e tornar o beisebol e o concurso de Miss os esportes nacionais?
 
Na nossa cultura imediatista, de curto prazo e populista, essa falta de planejamento de ações públicas e de análise de tendências de cenários são bastante comuns. Nada que leve muito alarde à população. Porém, do jeito que as coisas parecem estar indo, corremos o risco de ter uma Copa realizada em 2014, mas com a cabeça do ano de 2007.
 
P.S.: Nunca tinha reparado nisso, mas você também percebe uma certa semelhança nos preparativos pro Pan com os preparativos para as cerimônias de 500 Anos do Brasil? Deu no que deu. Era de se esperar que tivessem aprendido com alguma coisa.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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