A leitura tática do jogo

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Certa vez, numa cidade do estado de São Paulo, em uma greve de ônibus, proprietários de “vans” (peruas) perceberam grandes oportunidades de trabalho: poderiam transportar os passageiros que ficaram sem ônibus, tentariam junto a prefeitura a legalização do seu meio de transporte e, claro, lucrariam com isso.
 
Com a permissão aos chamados “perueiros” os proprietários de ônibus protestaram e fizeram previsões catastróficas para a “saúde” das suas empresas. Um deles, contrário aos demais, viu na situação uma oportunidade de crescimento: acrescentaria na sua frota, “vans” bem equipadas (poltronas confortáveis, ar-condicionado e a promessa de que somente transportaria passageiros sentados) e passaria a concorrer em excepcionais condições com o meio “alternativo” de transporte.
 
No mundo, enquanto alguns enxergam o “ponto final” outros vêem o “início do próximo parágrafo”.
 
Muitos de nós brasileiros somos (por auto-intitulação) especialistas em futebol. Mas tantos especialistas sentados à mesa acabam por, na maioria das vezes, não chegar a um “ponto comum” sobre aspectos de uma partida.
 
Nos estádios, o técnico é “burro”, é gênio. Torcedores têm a solução imediata para qualquer problema que apareça no jogo. Incrível saber que mesmo essas soluções imediatas possivelmente serão tão distintas que é provável que se tenha mais de uma centena de idéias e não se tenha realmente a solução.
 
O fato é que mesmo os técnicos, “grandes” ou “pequenos”, desconhecidos ou famosos podem não chegar a um consenso quando o assunto é a leitura do jogo.
 
Como será que o técnico Vanderlei Luxemburgo viu a derrota da seleção brasileira para a seleção da França na Copa do Mundo de 2006? Como será que Luiz Felipe Scolari, José Mourinho, Parreira ou Domeneche viram o mesmo jogo. O mesmo jogo? – (certamente o “mesmo diferente jogo”) – O que teriam feito se fossem todos, naquele momento, técnicos da seleção brasileira? Como teriam tentado reverter o resultado da partida?
 
Certamente cada um desses treinadores mencionados e mais tantos outros mundo afora, vêem em cada jogo pedaços de si próprios. Por exemplo, Mourinho “lê” o jogo dentro de um contexto de possibilidades criadas de acordo com os conhecimentos e saberes que fora adquirindo ao longo de toda sua jornada (não somente jornada como técnico, mas jornada como pessoa – algo que ele tem consciência e que fica cada vez mais evidente em sua fala). O mesmo vale para Scolari, Parreira, Domeneche, Luxemburgo e para cada um de nós, quando ao assistirmos um jogo encontramos as respostas para as dificuldades desta ou daquela equipe.
 
O fato é que essa “leitura” de jogo particular remete para soluções também particulares e muito peculiares. Portanto, ainda que Parreira e Scolari enxerguem que algo está errado com as “roubadas” de bola pela esquerda da defesa de uma equipe, é possível que cada um deles faça apontamentos e tome atitudes diferentes para corrigi-las.
 
É nessa diferença interpretativa dos fatos que futebol, arte e ciência se confundem, ao ponto de se perder por diversas vezes a lucidez para buscar respostas que justifiquem vitórias e derrotas.
 
Certamente dois engenheiros podem discordar sobre a melhor forma de se construir bases sólidas para levantar um grande edifício, mas não precisarão construir dois edifícios iguais com bases diferentes para terem a certeza de qual é a melhor solução. Eles estudam, analisam, levam a Ciência para sua prática e finalmente podem tirar conclusões exatas sem que seja necessária para isso a queda de um edifício.
 
No futebol existem lógicas e princípios que ao serem entendidos podem elucidar a forma de se enxergar um jogo (o empirismo e os “achismos” que nele [no futebol] “imperam de maneira imperial” acabam contribuindo muito pouco para a sua evolução tática e estratégica).
 
E por que não vemos a busca do entendimento desses princípios e lógicas? Por que o “termômetro” de um jogo vem sendo a décadas dado pela experiência desvinculada do conhecimento?
 
Simples caros amigos; porque em terra de greve de ônibus, quem tem “van” é rei…
Poucas e “escondidas” são as “rodas” em que se discute dentro do futebol princípios como “apoio”, “profundidade” ou “penetração”; que experienciam cientificamente conceitos como “compactação”, “bloco”, “balanço defensivo”; que debatem por exemplo como manter a “amplitude” de uma equipe em um 4-4-2, ou o porquê é fácil tê-la no 4-3-3 ou no 3-5-2.
 
No futebol, mais se acha do que se compreende, mais se acredita do que se comprova.
Se pelo menos achassem o conhecimento (que pelo jeito que a coisa vai, deve estar escondido). Se pelo menos se acreditasse nos fatos ao invés dos mitos…
 
Não creio ser possível uma leitura uniforme dos eventos que desequilibram uma partida de futebol para esta ou aquela equipe, mas certamente é possível trazer a discussão sobre vitórias e derrotas a um nível mais apropriado, palpável, concreto, enfim científico.
 
Isso não significa engessar o jogo de futebol. Significa apenas uma aproximação cada vez maior da “arte do imponderável” (“pois até no caos ocorrem padrões”).
Semana que vêm começaremos a discutir quais são e o que são os princípios ofensivos, os princípios defensivos, os princípios operacionais e a lógica do jogo no futebol. Quem sabe, a gente não consegue levar a ciência para a tática e a estratégia de jogo e comece a entender a arte que se expressa no futebol.
 

PS – Quem sabe não começaremos a enxergar o princípio do parágrafo onde todo mundo vê o ponto final. Então, em vez de terminar com o próprio, finalizo hoje com reticências…

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br
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