A lógica do jogo de futebol

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Quando menino (avós vivos, tios animados, macarronada aos domingos), me intrigava uma figura, conhecida nas ruas do bairro como “Zé do Torto”, que sempre aparecia depois dos almoços em família na casa de meu avô apenas para dizer “boa tarde” e mostrar as moedas que mais uma vez ganhara desafiando pessoas na rua em uma variação do conhecido Jogo da Velha: “eu digo que nunca perco; então se o jogo empata ou eu venço, não tem jeito; as moedas são minhas”.

Sem qualquer ponto ou vírgula a mais, a frase era sempre essa. E o que me deixava curioso era o fato do tal Zé do Torto nunca perder. Mais tarde, com um pouco mais de idade, desapareceram certas dúvidas, o jogo da velha (e sua variação) perdeu os seus mistérios e percebi que compreendendo certas combinações e possibilidades era muito fácil não perder jogando esse jogo. Percebi que outros jogos por vezes mais e por vezes menos complexos do que o jogo da velha também tinham “combinações e possibilidades” que estruturadas apontavam para uma lógica que orientava a melhor forma de jogar.

Os desafios cresceram e a curiosidade também. Ficou para trás o jogo da velha. Surgiram jogos com cartas, damas, xadrez e claro, futebol!

Façamos um exercício com um jogo conhecido (dentre outros nomes) como batalha naval. Nele o objetivo do jogador é descobrir qual dos “quadrados” (A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8, B1, etc.) fora escolhido pelo seu adversário dentre os 64 possíveis. O seu adversário buscará descobrir o mesmo. Vence o jogo aquele que mais rapidamente chegar ao “quadrado” do seu oponente.

Para chegar à resposta certa, cada jogador pode fazer ao seu adversário perguntas em que as respostas sejam somente “SIM” ou “NÃO”. Então um jogador pode perguntar, por exemplo, se o quadrado do seu oponente está na coluna 1; mas não poderá perguntar se “o quadrado escolhido está na coluna 1 ou na coluna 2″ (pois aí a resposta deixaria de ser simplesmente “SIM” ou “NÃO”). De quantas perguntas você necessitaria para chegar à resposta correta?

Compreendendo a lógica desse jogo é possível, com um número reduzido de perguntas, chegar ao quadrado escolhido pelo oponente. Para isso, basta que a cada pergunta seja eliminado o maior número de quadrados possível. Então, em vez de perguntar se o quadrado escolhido está na coluna 1 (ou 2, 3, 4, 5, 6, 7 ou 8) – o que em caso de resposta negativa eliminaria apenas 8 quadrados – dever-se-ia buscar interrogações do tipo “o quadrado escolhido está entre a coluna 1 e a 4?“. Nesse caso, independentemente da resposta ser negativa ou positiva, o número de quadrados eliminados seria 32. Se a mesma idéia for aplicada a cada pergunta, em seis tentativas seria possível chegar à reposta correta.



É claro que questionamentos que se arriscam a eliminar apenas oito quadrados ou menos (no caso de resposta negativa) podem alcançar o privilégio de eliminar 56 em caso de resposta afirmativa. Eis aí algo peculiar ao jogo: a imprevisibilidade. Mesmo dominando “combinações e possibilidades”, é possível transpor o esperado e passar à frente (o inesperado!).

Obviamente, em um jogo como o de batalha naval, se os dois oponentes conhecessem a lógica do jogo (para eliminar o maior número possível de quadrados), e não houvesse a possibilidade de se arriscar, ganharia sempre aquele que começasse primeiro com as perguntas.

E o futebol com isso?

O futebol é um jogo de grande complexidade de ações e como jogo pode ter a sua Lógica compreendida. A diferença é que em vez de buscarmos quadrados, devemos buscar o entendimento de detalhes que desencadeiam situações que possam efetivamente aumentar as chances de fazer gols. Em vez de buscarmos a simplicidade, devemos entender a sua complexidade.

Ainda que possa parecer abstrato, comecemos por entender que de certa forma alguns técnicos de futebol tornam-se vitoriosos com suas equipes e fazem história em agremiações diferentes, em torneios diferentes, com jogadores diferentes usando esquemas táticos diferentes. Seria isso coincidência?

Diversos estudos têm sido realizados no mundo tentando descobrir, sob a perspectiva técnico-tática, quais são as variáveis que determinam o sucesso de equipes e treinadores vitoriosos. É claro que não é apenas de variáveis técnico-táticas que uma equipe sobrevive. Não estou aqui desprezando aspectos psicológicos, sociais, fisiológicos ou qualquer outro. O que busco é apontar para a possibilidade de se entender a lógica dentro do jogo de futebol e a partir dela construir estruturas táticas e estratégicas nos treinamentos que aumentem as chances de vitórias.

Se os dados de pesquisas apontam para o fato de que seqüências ofensivas que resultam em gols têm em sua eficácia uma relação inversa ao seu tempo de duração (em outras palavras, as jogadas que têm maior chance de se reverter em gol são aquelas que têm poucos segundos de duração), por que não, por exemplo, criar estratégias para que a partir da recuperação da posse de bola em dada região do campo, uma equipe tenha condições de levá-la ao gol adversário rapidamente (e indo além, por que não investigar como tornar isso possível?)?

O que proponho, caros amigos, é a partir do entendimento da lógica do jogo, buscar o domínio do maior número possível de variáveis que a compõe, tornando uma equipe ao mesmo tempo mais imprevisível para o adversário e ele (o adversário) menos imprevisível para ela. O que sugiro é que busquemos responder sob a perspectiva técnico-tática os porquês de tantas vitórias desse ou daquele treinador, dessa ou daquela equipe, fugindo do acaso e dos achismos que sobrevivem no futebol.

Pra quê perguntar por quê? Será que vale a pena? Será?

Para interagir com o colunista: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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