Solução Demorada

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Incomoda-me um pouco quando dizem que o futebol brasileiro só está no estado que atual por causa da incompetência dos dirigentes. Minto. Incomoda muito.
 
Até porque, se fosse pra dizer que a culpa é apenas da incompetência dos dirigentes, dava pra dizer que a culpa é de todos os conselheiros dos clubes, que são quem elege os dirigentes. Ou melhor, dava pra dizer que a culpa é dos sócios, que são quem vota nos conselheiros e que eventualmente escolhem os dirigentes. No fim das contas, dava pra dizer que a culpa é do próprio torcedor, que pode virar sócio, eleger seu conselheiro e indiretamente nomear os dirigentes.
 
Dizer que a culpa pelo estado atual do futebol é unicamente culpa dos dirigentes é mais ou menos como dizer que a culpa do estado atual do Brasil é culpa única e exclusiva dos políticos. Esqueça a desigualdade social histórica, os vizinhos estranhos e o passado de militarização. A culpa é unicamente dos políticos. Se trocar de político, o país melhora. É? Não, não é. E o mesmo vale para o futebol.
 
O futebol brasileiro é subdesenvolvido por uma série de fatores, inclusive por incompetência dos seus dirigentes. Esses, na verdade, parecem-me ser mais uma conseqüência do que propriamente uma causa. E o principal fator é, de longe, o peculiar cenário midiático brasileiro.
 
A estrutura do futebol moderno se desenvolveu no começo da década de 90 na Inglaterra. Isso porque, resumidamente, tinha um cara que queria vender televisão por satélite, e para isso resolveu comprar os direitos exclusivos sobre filmes, futebol e pornografia. Se algum inglês quisesse assistir um bom filme, um bom jogo de futebol ou uma boa pornografia, ele teria que comprar o pacote de televisão oferecido pelo indivíduo. Esse indivíduo era Rupert Murdoch, hoje dono d’Os Simpsons, do The Sun e do Wall Street Journal, entre outros, muitos outros.
 
Como na Inglaterra não tem lá muito o que se fazer além de assistir filmes, futebol e pornografia, e eventualmente beber e sair na porrada com alguém, as pessoas acabaram comprando a televisão por satélite do rapaz. Hoje, a Sky domina mais ou menos 50% do mercado de televisão por satélite inglês, e é encontrada em aproximadamente 10 milhões de casas.
 
Foi principalmente por causa do dinheiro da Sky que o futebol inglês deslanchou. Dinheiro que veio a partir da grande concorrência existente no mercado midiático inglês. E esse modelo acabou sendo replicado pelos principais mercados europeus: quer vender televisão por satélite? Adquira os dinheiros exclusivos sobre o futebol.
 
Pois bem. Isso foi o que aconteceu por lá. Agora cabe a pergunta se isso pode acontecer por aqui. E a resposta é provavelmente não. Afinal, que manda há tempos na televisão brasileira é a Rede Globo. E isso sem o futebol.
 
Aliás, o futebol não é o principal produto da Globo. Por vezes, eu até acho que a Globo presta um favor em transmitir o futebol. Ela não precisa. Suas maiores audiências são as novelas, o jornal e o Big Brother. Não por acaso, é o futebol que vem depois da novela, e não a novela que vem depois do futebol.

Pois bem. Surge agora uma especulação de que a Record está disposta a pagar R$ 1 bilhão por ano pelo Campeonato Brasileiro. Sem questionar de onde vem o dinheiro, é certo que tamanha injeção de capital poderia eventualmente dar uma guinada na estrutura do futebol como um todo. Entretanto, é possível que os clubes brasileiros acabassem fazendo a mesma coisa que um monte de clube europeu fez no fim da década de 90 e no início da década de 00, e injetassem toda a grana em jogadores, o que nunca dá certo e eventualmente quebra todo mundo, como aconteceu no Campeonato Italiano em 2002. Mas isso é assunto pra outro dia.
 
Porém, se eu tivesse R$ 1 bilhão, eu nunca investiria nos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro. Inclusive, acho que dá pra contratar todos os jogadores do país por esse montante, e é possível que esse último investimento acabe dando mais retorno. De qualquer maneira, é uma aposta arriscada da Record. Se ela eventualmente criar uma rede de canais fechados e quiser apostar no futebol como atrativo para alavancar as vendas do seu pacote de assinaturas, como tem sido praxe na Europa, é provável que ela vá perder dinheiro, muito dinheiro.
 
Nada indica que as pessoas no Brasil estejam tão dispostas a assistir ao futebol nacional para comprar um pacote de televisão a cabo ou por satélite. E caso a Record queira transmitir o futebol na televisão aberta e tentar recuperar esse R$ 1 bilhão em receitas de patrocínio, ela certamente também vai perder dinheiro. Eu tenho a sincera impressão que uma boa maioria dos patrocinadores do futebol brasileiro só patrocina os clubes para poder aparecer na Globo, uma vez que todo mundo quer aparecer na Globo. Qual seria o valor de reajuste do patrocínio caso o patrocinador deixasse de aparecer no principal canal do país?
 
Uma das principais razões para a debilidade financeira dos clubes de futebol no país é certamente o baixíssimo poder de barganha que ele tem em relação à Rede Globo. E o equilíbrio dessa balança dificilmente vai ser alterado tão cedo. Enquanto o futebol não for mais importante que o canal de televisão para o público em geral, não tem como a estrutura do esporte se desenvolver de maneira mais acentuada. Por melhor que seja o dirigente.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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