“O jogo está zero a zero. A equipe mandante está com a posse da bola. Por duas vezes ela (a bola) é passada de pé em pé de um lado ao outro do campo em sua metade defensiva. E se isso já fazia inquietar a torcida negativamente, pior e com vaias nos ares ficou o ambiente quando um dos jogadores ao ser pressionado pelo adversário, recuou a bola para o goleiro”.
Essa seqüência imaginária poderia ser o relato de uma seqüência real de pelo menos um jogo assistido por algum de nós, ao vivo, no estádio ou pela TV.
No futsal, já faz algum tempo o goleiro deixou de ter a função que lhe dera origem (proteger a meta, defendendo-a com qualquer parte do corpo em sua área de ação) e passou também a desempenhar um importantíssimo papel na organização tática defensiva e ofensiva de uma equipe.
Guardadas as devidas proporções de dimensões, regras e características especiais de jogo (entre futsal e futebol de campo), devemos observar que no futebol de campo, muito pouco tem sido explorado a respeito das possibilidades táticas de se trabalhar com o goleiro como elemento importante e atuante do sistema defensivo e ofensivo
E isso não quer dizer incentivá-lo a orientar e coordenar seus zagueiros e jogadores de marcação, ou “subir” ao ataque para cobrar faltas ou tentar o gol nos escanteios. O que estou apontando está além desse “concreto enraizado” a grandes profundidades.
Na Inglaterra é muito comum (e bonito de ver) equipes marcando em zona. Elas se fecham no seu meio campo de defesa e em determinados momentos, a partir de uma referência planejada, pressionam o seu adversário na tentativa de recuperar a bola. Não havendo êxito imediato na situação “pressão” recolhem-se novamente ao posicionamento zonal para avaliar nova oportunidade. Interessante que as equipes que estão sendo marcadas muitas vezes recorrem ao goleiro como ponto de apoio para fazer a bola girar de um lado para o outro do campo, deslocando a marcação adversária, sem a necessidade do “chutão” (algumas vezes assistimos a belos lançamentos – o que é bem diferente do tal “chutão”) e participando efetivamente da possibilidade de construção de um ataque.
É claro que tal procedimento desafiou os treinadores a desenvolver estratégias posicionais que pudessem impedir a livre e aparentemente “despretensiosa” ação do goleiro. É claro também que goleiros e seus treinadores diante de inovações do sistema de marcação adversária também criaram possibilidades para dificultar a ação da equipe que marca (e essa corrida segue: um dá um passo, o outro dá dois, e o percurso continua).
O fato é que no Brasil não estamos acostumados a certas nuances de jogo. Ingenuamente torcedores, treinadores e jogadores acabam por adicionar concreto à situações que acabam sendo “fuga” contra problemas táticos não resolvidos do jogo. Então se torna mais “bonito” (?) e aparentemente eficiente (??), aos olhos de quem vê tentar uma jogada inconsistente, perder a bola e sofrer um contra-ataque do que estrategicamente buscar os desequilíbrios sistêmicos do adversário para então dar o “golpe de misericórdia” (pontual, objetivo, eficaz).
Futebol não é futsal (mas pertencem a mesma família – tema há tempos discutido pelo prof. Dr. Alcides Scaglia), e assim como o futsal, precisa ir em busca de novas possibilidades. O mundo não vencia o Brasil no Futsal. Agora é o Brasil que não consegue vencer a seleção da Espanha.
O que fez a Espanha, aprendeu enfrentar o Brasil, ou realmente aprendeu a JOGAR melhor?
Seja qual for sua resposta, não duvide, isso é fato: a Espanha buscou novas possibilidades de jogo.
E por que isso não pode acontecer no futebol?
Tratar o goleiro efetivamente como jogador que faz parte dos sistemas defensivo e ofensivo é uma possibilidade real de “provocar” situações-problema que podem desequilibrar o adversário. Se, por exemplo, uma equipe resolve jogar sem sobra, pressionando fortemente, terá que desenvolver novas estratégias para conseguir marcar o adversário caso ele se utilize do goleiro para promover “rodízios defensivos de bola”. Se 10 marcam 10, precisarão de nova estratégia para marcar 11.
Então, seria uma equipe como a do São Paulo no Campeonato Brasileiro 2007 aquela que está um passo à frente nessa questão?
Um passo a frente talvez. Há no entanto de se destacar que poucas foram as equipes que definiram boas estratégias no confronto diante de um “goleiro-zagueiro”. Quando o São Paulo enfrentou uma dinâmica um pouco mais apropriada teve dificuldades e fora derrotada pelo “Milionários” (???) da Colômbia – que nem tinha uma estratégia tão boa assim; apenas suficiente (2º jogo entre as equipes na Copa Sul-Americana).
Então, é óbvio que não basta para uma equipe (que terá um goleiro-zagueiro) um goleiro que saiba passar, chutar e dominar bem a bola. É necessário que esse goleiro-zagueiro saiba passar, chutar, dominar, etc e tal, no contexto do jogo, compreendendo sua lógica e dinâmicas; e mais ainda, que os outros jogadores possam entender tais dinâmicas dentro dessa nova possibilidade.
E caros amigos, essa é apenas uma das inúmeras possibilidades que muitas vezes deixamos de perceber, seduzidos pelo “inconsciente coletivo” do senso comum (nesse caso “inconsistente coletivo”).
Por isso analisemos com outros “óculos” quando houver um recuo de bola para o goleiro, e observemos qual é e onde está o problema (e se o que se observa é algo treinado ou “anárquico”). Entender os porquês do quando se ganha é essencial para se saber os porquês quando se perde.
Então, para quê esperar para perder de novo para a França na Copa do Mundo ou para qualquer outra equipe que resolva buscar novas possibilidades? Não podemos nós criarmos as nossas e jogar melhor?
Para interagir com o autor: rodrigo@u
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