1ª parte
Dentre as diversas discussões que envolvem o futebol, e especialmente as “plataformas de jogo” (vulgarmente chamadas de “sistemas de jogo” ou “esquemas táticos”), recorro hoje a uma que certamente não é objeto de muita reflexão.
Por muito tempo ainda há de se discutir a utilidade de uma ou de outra plataforma de jogo.
Por muito tempo ainda, treinadores serão criticados por utilizar essa ou aquela forma de se jogar (que digam Sebastião Lazaroni, Carlos Alberto Parreira e até mesmo o nosso aclamado Felipão). O 4-4-2 que não serve e depois passa a servir, o 3-5-2 que é uma “invenção de moda” e depois passa a ser a solução para todos os problemas. Nada disso é incomum.
Então, creio hoje ser importante destacar outra possibilidade nessa discussão. Antes mesmo de confrontarmos e apontarmos que essa ou aquela plataforma é mais ou é menos eficiente, que tal forma de jogar é melhor do que qualquer outra, eu questiono: qual parece ser mais “fácil” para ser aplicada e trabalhada com os jogadores (por apresentar estruturas de menor complexidade)? Em outras palavras; qual plataforma de jogo parece mais simples e prática para se assimilar (dentro das dinâmicas da lógica do jogo)?
No relatório técnico disponibilizado pela FIFA sobre a Copa do Mundo de 2006, os observadores da entidade apontaram que das 32 seleções que participaram da competição, 19 jogaram no 4-4-2 (14 no 4-4-2 em linha e cinco no 4-4-2 em losango), sete jogaram no 4-5-1, uma no 4-3-3 e cinco no 3-5-2. Das quatro equipes que chegaram às semifinais da competição, três optaram pelo 4-5-1 (Portugal, Itália e França) e uma pelo 4-4-2 (Alemanha).
Ainda que esses dados dêem margem para discussões sobre a eficiência aparente do 4-5-1 (será mesmo ele tão bom assim?) com dois dos seus sete representantes chegando à decisão da Copa, e ainda que pudéssemos fazer uma reflexão longitudinal dos porquês da evidência do 4-5-1 de uma Copa para a outra (já que na Copa anterior (2002) o mesmo relatório da FIFA apontou que das 32 equipes participantes, 24 optaram pelo 4-4-2 e oito pelo 3-5-2); precisamos entender qual deles é mais prático, fácil e de rápida assimilação.
É bom lembrarmos que na vida de treinadores de futebol quase nunca há o tempo devido para a preparação de uma equipe (que acaba entrando em competições sem o nível ótimo de desempenho). É claro que esse não é o único fator que deve determinar a escolha por parte do treinador, mas se for possível diagnosticar qual a plataforma de jogo pode dar melhores opções mais rapidamente ao trabalho, pode-se, de certa forma, sair na frente.
Nas categorias de base, essa questão poderia balizar alguns pontos da formação do jogador. Se partirmos do pressuposto de que existe um vasto conteúdo a ser ensinado aos jogadores nas equipes de formação (plataformas de jogo, conceitos posicionais, tipos de marcação, tipos de ataque, sistema defensivo, sistema ofensivo, habilidades básicas, etc) para que se tornem atletas profissionais mais versáteis e inteligentes, é necessário que se construa uma lógica apropriada para desenvolvimento desses conteúdos (se existir uma plataforma de mais fácil assimilação, por que não começar por ela?).
O melhor desempenho de jogo está atrelado a diversos fatores.
Sob o ponto de vista técnico-tático podemos destacar algo que chamaremos de “Competências Gerais”.
As Competências Gerais são construtos que devem, independentemente da plataforma empregada, compreender conhecimentos e saberes necessários, básicos e imprescindíveis para o melhor desempenho de jogadores no jogo.
São elas (as Competências Gerais) ((adaptado de Garganta (1995) – para saber mais sobre o assunto: texto “Para uma teoria dos jogos desportivos colectivos”, de Júlio Garganta, que pode ser encontrado em “O ensino dos jogos desportivos” A. GRAÇA e J. OLIVEIRA, 2ª ed. Porto: Universidade do Porto, 1995):
1 – Estruturação do espaço de jogo (ofensivo e defensivo);
2 – Comunicação na ação (“metacomunicação” coletiva na ação ofensiva e na ação defensiva atrelada a melhor leitura tática do jogo);
3 – Relação com a bola (compreensão de melhor aplicação da habilidade técnica como solução de situações-problema).
Partindo da compreensão de cada uma dessas competências, qual seria a plataforma que permitiria o desenvolvimento mais simples para a estruturação e ocupação do espaço de jogo? Qual seria aquela que poderia facilitar a “metacomunicação” coletiva nas ações de jogo? Ou por fim, qual delas facilitaria a melhor relação com a bola por parte do atleta (em quantidade e qualidade) de acordo com as competências técnicas individuais?
Certamente, se nos nortearmos por cada uma das competências em separado, é possível que tenhamos respostas diferentes (para cada competência, uma plataforma de jogo como resposta).
As questões não são simples e também não são triviais. As variáveis consideradas para se chegar às respostas requeridas devem ser aprofundadas.
Se considerássemos isoladamente, por exemplo, apenas a competência “estruturação do espaço de jogo”, talvez chegássemos rapidamente (ou mais facilmente) a uma conclusão convergente.
Porém, como as competências estão interligadas e se manifestam o tempo todo e ao mesmo tempo no jogo de futebol, temos que analisar o tema de acordo com a complexidade que lhe é característica.
Continua na próxima semana…
Para interagir com o colunista: rodrigo@universidadedofutebol.com.br