A atmosfera do espetáculo

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Fui a um show do Djavan, que dizem ser torcedor do Flamengo, aqui em Curitiba. O show foi dentro de um teatro, Guaíra, o maior da cidade, com capacidade para mais de 2 mil pessoas. Ultimamente, muitos shows musicais aqui em Curitiba têm acontecido no teatro. Coisa estranha.
 
No começo do show, casa lotada e todo mundo sentadinho, cada qual em seu lugar. Djavan tocava uma música, todo mundo escutava e no fim aplaudia. Coisa de teatro. Poderia ser uma peça, quiçá um monólogo. Aparentemente, tanto fazia. Primeiro a música, depois o aplauso. A alternância era constante e deixava o espetáculo bonito, mas estranho. Durante as músicas, as pessoas acompanhavam as letras, mas de forma contida. Era legal de ver. Mas parecia um devedê.
 
Conforme o show foi evoluindo, os espectadores começaram a ficar inquietos. Uns se levantavam para dançar aqui, outros acolá, mas nada que durasse por muito tempo. Logo se sentavam. Em determinado momento, porém, Djavan convocou todos à beira do palco. De imediato, o público se levantou e passou a pular, dançar, gritar, esgoelar, et al. Aí sim, dava dizer que se estava em um show. Djavan e a banda passaram a interagir com a platéia, e a platéia correspondia. Diferentemente da situação anterior, o show se distinguia de um DVD. Era um evento único e interativo. Muito culpa da atmosfera criada pelas variáveis que foram transformadas no decorrer do espetáculo por demanda da banda e do público. A banda sentiu-se mais confortável em atuar nesse ambiente, e o público, aparentemente, pagou para participar do show, e não para simplesmente assisti-lo.
 
A atmosfera é, hoje, o grande produto que se vende em grandes espetáculos, e no futebol não é diferente. A atmosfera de um jogo de futebol é atualmente o grande produto de um estádio de futebol. Nos primórdios, o estádio vendia o acesso ao jogo. Afinal, ou se ia ao estádio para ver o jogo, ou não se via em lugar algum. Conforme a tecnologia foi evoluindo, esse produto passou das mãos dos estádios para as mãos dos veículos midiáticos. Hoje, o acesso ao jogo não é mais um produto dos estádios, mas dos canais de televisão e de outras mídias, que conseguem oferecer o acesso de maneira muito mais adaptada ao gosto do público. Com isso, o estádio precisa se preocupar em vender produtos e valores agregados ao jogo que a televisão não consegue vender. É o caso da atmosfera do jogo. Quem vai ao estádio não o faz para ver o jogo. O faz para sentir o jogo, para participar do jogo, para viver o jogo. E quem vende esse produto precisa estar preocupado em oferecê-lo da melhor maneira possível.
 
No Brasil, não há sinais de que as pessoas estão muito dispostas a pagar pela atmosfera do jogo, até porque a atmosfera não é a adequada para boa parte do público, uma vez que ela está aparentemente atrelada ao sentimento de insegurança. Além disso, o esforço necessário para se vivenciar esse ambiente acaba não sendo justificado, uma vez que é preciso adicionar ao custo da atmosfera fatores como banheiros inapropriados, trânsito caótico e estrutura precária, entre outros, muitos outros.
 
Boa parte da solução para esse problema passa não só pela mobilização dos clubes de futebol e órgãos reguladores das competições, mas também, e talvez principalmente, pela ação do poder público, ainda mais em um país subdesenvolvido, ou em desenvolvimento, como o nosso. Como o público que utiliza os estádios não possui muito valor econômico, eles acabam abandonados e carentes de manutenção e serviços básicos. Como o futebol possui grande importância pública e por conta disso os estádios continuam a ser utilizados, independentemente do seu estado, cabe ao poder público definir os limites mínimos que prezem pela segurança e comodidade das pessoas que fazem uso desses espaços.
 
O fato de que o grande responsável por iniciativas que regulem a segurança dentro dos estádios é o poder público torna o acidente acontecido no estádio da Fonte Nova ainda mais absurdo, uma vez que o estádio pertence ao poder público. Se o poder público não consegue zelar nem por aquilo que é dele, como pode ele exigir alguma coisa dos outros? Não tem muito mais o que possa ser dito. É simples assim. Triste e infelizmente.
 
Alguém parou pra pensar no ridículo que foi o acidente na Fonte Nova? Alguém parou pra pensar que um buraco abriu no meio do concreto? Como alguém explica uma coisa dessas? Como o poder público explica uma coisa dessas?
 
No dia 05 de outubro de 2006 eu publiquei uma coluna neste mesmo digníssimo site que dizia o seguinte: “Sempre digo que uma grande tragédia está à espera do futebol brasileiro. Cada vez mais tenho certeza disso. Infelizmente, parece que as coisas só mudarão quando ela acontecer”. Como eu disse que sempre digo e continuarei a dizer: uma grande tragédia aguarda o futebol brasileiro. A morte de sete torcedores na Fonte Nova, infelizmente, ainda não é uma tragédia grande o suficiente para transformar de vez o futebol brasileiro. Vai acontecer o de sempre: políticos vão bradar, a imprensa vai reclamar e pouca coisa vai mudar.
 

Uma grande tragédia ainda aguarda o futebol brasileiro, e isso é visível e perceptível. Todo mundo sabe disso, ainda que inconscientemente. E quem paga pra freqüentar um ambiente desses? Melhor pagar a tevê a cabo. E torcer pra não abrir um buraco na minha sala.

Para interagir com o colunista: oliver@universidadedofutebol.com.br

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