Como já comentei neste espaço algumas semanas atrás, o caso Bosman representou para a Fifa um grande (e desagradável) surpresa, uma vez que teve que reconhecer expressamente que não pode ficar à margem da justiça comum. Foi o primeiro grande caso em que uma decisão judicial (promovida pela ECJ – European Court of Justice) interferiu em seus negócios, dando liberdade aos jogadores desde que não tivessem contratos em vigor com os seus clubes.
Muito bem. Recentemente, tivemos uma decisão muito importante, e que deve, em nossa opinião, representar o próximo grande embate da Fifa, dessa vez com os os clubes de futebol.
A decisão a que me refiro, proferida administrativamente pela Fifa, deu mostras de que a entidade pretende ceder e auxiliar os clubes de futebol a serem ressarcidos pelo envio de seus jogadores às seleções nacionais de seus respectivos países.
De fato, foi celebrado um acordo entre Fifa e Uefa para que ambas juntem um total de US$ 252 mil para o pagamento das indenizações a clubes europeus. Esse acordo foi fruto de uma pressão em torno do caso Charlero/Albdelmajid. Atualmente em curso perante o Tribunal Arbitral do Esporte, o clube belga cobra da Fifa uma indenização pela contusão de seu jogador ocorrida enquanto ele defendia a seleção de Camarões.
O acordo firmado com a Uefa está longe de resolver o problema. Antes de mais nada, ainda restam ser definidos os critérios e as formas de pagamento desses valores. Mas, pior do que isso, ainda precisa ser definido como essa regra passará a valer em nos outros continentes.
Gostaria de analisar essa questão sob dois prismas. A questão de direito, e também a questão do desdobramento desse acordo na prática.
Em termos legais, essa é uma questão inserida em um contexto da especificidade do futebol como negócio. Sabemos que, a cada dia, o futebol se aproxima de um negócio como outro qualquer. Porém, existem peculiaridades que devem sempre ser respeitadas e relevadas para a tomada de determinadas decisões.
Jogadores de destaque representam hoje um grande patrimônio para os clubes. Eles custam caro, mas também podem gerar rendas fabulosas aos clubes. É nessa medida que os clubes não gostariam de serem ressarcidos por uma eventual desvalorização do jogador que atua por sua seleção. Aparentemente, um pleito legítimo.
Mas precisamos olhar por outro ângulo. Esses jogadores somente ganham notoriedade e passam a ser valorizados, quando atuam pela seleção nacional. Ronaldinho Gaúcho, por exemplo, passou a ser conhecido não porque atuava no Grêmio, mas sim porque fez belíssimas atuações pela seleção brasileira.
Assim, entendemos que faz parte do “pacote” desses jogadores a participação nas seleções. Em outras palavras, é um risco que o clube deveria assumir. É uma situação bastante peculiar com relação ao esporte. Mas entendo haver elementos que sustentariam uma defesa da Fifa contra os clubes.
Porém, como a questão ganha contornos políticos (mais relevantes do que os jurídicos), acredito que a Fifa cederá, como aliás já o fez no acordo com a Uefa.
Com relação aos contornos práticos da questão, existe um grande problema nesse processo, no desdobramento em continentes como a África. Certamente a Confederação Africana de Futebol – CAF, não conseguirá suportar (ainda que com ajuda da Fifa) as indenizações que seriam devidas a grandes clubes como Barcelona, que possui em seu elenco o Camaronês Samuel Eto’o.
Haverá um grande impasse, não tenho a menor dúvida. E o grande receio é que, em uma provável interferência da justiça comum, haverá uma grande descapitalização da Fifa para atender aos interesses desses clubes.
A tendência é que os clubes comecem a se organizar para pleitear individualmente essas indenizações. E quando isso acontecer, a Fifa e as Confederações Continentais vão ter que se movimentar.
A partir daí, vamos ver qual é o lado mais fraco da corda.
E então essa discussão poderá representar o próximo caso emblemático da FIFA, depois do caso Bosman.
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