O rodízio defensivo e o treinador de tabuleiro

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Ser treinador de futebol não é algo fácil, nem simples. Administrar egos (de jogadores e dirigentes), ajustar o pensamento da sua comissão técnica, tratar com a imprensa, conhecer de táticas de jogo, planejar estratégias, ganhar, perder jogos, confrontar consigo a cada fracasso as próprias verdades…
Para o seu sucesso, o que antes era o diferencial passou a ser o trivial.
Dia desses no Café dos Notáveis me deparei com uma curiosa situação. Um dos notáveis comentava a importância dos mais diversos conhecimentos (geometria, teoria do caos, gerenciamento de pessoas, informática) na vida de um treinador de futebol e o quanto cada um deles poderia ser decisivo para uma carreira de sucesso, cheia de conquistas e vitórias. Ao longe, uma folclórica figura do futebol, que quase nunca freqüenta o Café (conhecida como “Zé da Corneta”) observava atentamente as explanações. Ao final delas filosofou: “O quê? Geometria, informática? O futebol tá perdido”.
O Zé da Corneta é um “elemento” conhecido de certos ambientes futebolísticos. Nos arredores do Café dos Notáveis ficou conhecido, dentre outras coisas, por aventar que treinador que usa lousa ou prancheta é treinador de tabuleiro e que exemplo mesmo de competência na labuta mais cornetada das quatro linhas é o seu grande amigo (de quem já ganhou algumas garrafas de vinho e até viagem) Mister Argila.
Acho que o “Zé” representa bem o pensamento da sola do senso comum. A mesma sola que desbrava com força a tíbia (vulgo canela) de treinadores.
E aí mais uma vez, insisto; a vida de treinadores de futebol não é fácil, nem simples.
Na escola, aprendemos logo cedo em Física que um corpo qualquer que está parado tende a permanecer parado até que uma força, capaz de colocá-lo em movimento, seja aplicada sobre ele. Da mesma forma aprendemos que um corpo em movimento tende a permanecer em movimento a menos que uma força em sentido contrário ao seu movimento o faça parar. É a “Lei da Inércia”.
No futebol ela se manifesta sob a forma de “futinércia”. Têm como peculiaridade fazer as pessoas acreditarem que para serem treinadores de futebol basta reproduzirem aquilo que vivenciaram nos tempos de jogadores (e são tiverem sido jogadores?!). O que serviu ontem, serve hoje. O conhecimento de ontem é o aplicável hoje. O que se sabia é o que se deve saber. Ciência? Para quê, ela marca gol?
Diariamente ela (a futinércia) é reforçada na TV em programas esportivos (e também nos não esportivos), nos jornais, revistas, internet. Para aqueles que estão no futebol sem se mover o reforço é muito bem vindo.
Mas até quando e até onde vamos com isso?
Um dos alvos mais recentes da futinércia reforçada pelas mídias é o “Rodízio Defensivo” realizado por algumas equipes de futebol (e hoje não vou explicar o que é o tal; assim quem sabe os agentes reforçadores procuram se informar melhor do que se trata – só para evitar que associem Rodízio Defensivo com “substituição” de jogadores da defesa, ou algum novo serviço das churrascarias, adianto que ele trata de parte das estratégias de uma equipe para manutenção da posse da bola.
O reforço alardeia, em nome do “jogar sério”, que equipes não devem “brincar” no campo de defesa. Zagueiro, com a bola nos pés tem que “jogar simples”. Ou passa rápido ou chuta para frente. Tocar a bola para o goleiro; nem pensar (“haja coração!”).
Não sei se ele (o reforço) nasce da necessidade de se chamar a atenção e criar notícias ou se nasce da ignorância e do despreparo dos “profissionais” que se envolvem de alguma forma com o futebol.
Seria muito produtivo e salutar se o conhecimento científico entrasse com força no nosso esporte “bretão” e invadisse todos os ambientes associados a ele. Imagino o dia que um narrador esportivo, em sua seqüência de frases para comentar um jogo diga “A equipe “C” vai ao ataque, quase sempre com igualdade numérica. A boa amplitude dificulta o melhor posicionamento dos meias defensivos do adversário, o que está criando corredores entre os laterais e os zagueiros. O atacante “X” tem dado boa profundidade ao ataque e dificultado demais a compactação adversária. A boa estrutura do balanço defensivo está garantindo transições defensivas bastante eficientes”…
Frases carregadas de conceitos, de informação, de conhecimento.
E como os torcedores entenderiam isso?
Da mesma forma que a inércia do estar parado congela os saberes e promove o emburrecimento, a do movimento pode levar as pessoas ao despertar, a um novo mundo de informações e a um novo estado de criticidade.
E qual a relação disso tudo com a tática no futebol?
Grande e toda. Enquanto acreditarmos nos “Zés das Cornetas” e não dermos conta da existência da “futinércia”, colaboraremos para o surgimento dos mitos e tradições engessadas do futebol; e isso fará com que os treinadores de tabuleiro sejam caricaturas batizadas assim, porque “pensam”, simplesmente porque pensam!
Se valorizássemos aqueles que pensam, seríamos também estimulados a pensar; e aí o discurso de que no futebol não há mais nada para se inventar seria substituído pela desenfreada necessidade de se criar novas coisas para permanecer no topo, à frente dos concorrentes (técnica, tática e fisicamente).

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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