Defender com bola

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Em uma das muitas e boas discussões científico-futebolísticas no Café dos Notáveis, ressurgiu uma das questões mais divergentes desde os tempos da inauguração do Café: a posse de bola.
 
Há tempos estudos científicos em todo o mundo, avaliando competições profissionais de futebol em diversos países, apontam para o fato de que o tempo de posse de bola de uma equipe em um jogo não tem boa correlação com o resultado da partida (nem com o número de gols feitos por uma equipe).
 
Isso em outras palavras quer dizer que ter a bola sob posse da equipe por mais tempo durante os diversos momentos do jogo não será garantia de vitória na partida.
 
Claro, estou eu aqui generalizando o conceito “posse de bola”, não “destrinchando-o” de acordo com as regiões do campo em que ocorre, nem com a circunstância temporal da partida (por temporal entenda-se momento do jogo).
 
O fato é que, ela que já foi vedete de narradores e “especialistas” desportivos, tem no Brasil uma variedade de treinadores com propostas distintas de modelo de jogo relativas ao seu conceito.
 
Aí recorro então a um velho colega, que por seus afazeres nunca pode freqüentar as reuniões dos notáveis do Café: sir Istvi. Ele gostava de dizer aos seus alunos da faculdade de educação física que não utilizassem apitos em aulas e treinos de esportes em geral. Dizia que isso seguia na contramão da história porque resgatava tempos de repressão política em que as pessoas de não tinham liberdade para expressarem seus pensamentos.
 
Ora, quanto poder sir Istivi julgava ter um apito? Obviamente em nossas conversas eu tentava mostrar a ele que o problema não estava no objeto em si, mas qual o uso era feito dele. Um dia acabou por se render à minha fala quando combinei com um grupo de alunos seus uma intervenção prática daqueles argumentos que eu usava.
 
Gosto de lembrar essa história para falar sobre a posse de bola porque é exatamente o mesmo problema conceitual: ela e a questão do uso do apito.
 
A posse da bola em um jogo já foi tida como variável determinante do atacar e do defender. Em outras palavras, pesquisadores e especialistas brasileiros, franceses, portugueses e espanhóis sempre atribuíram o estar atacar às equipes com a bola sob sua posse, e o defender para as que não a tinham em seu poder.
 
É claro, somos tentados e induzidos a pensar assim. Mas pensar assim é não compreender o jogo em sua complexidade. Sem ter que me aprofundar nisso neste momento, posso dizer que novas frentes de pesquisa são contrárias a essa fragmentação conduzida pelo estar ou não estar com a bola.
 
Estar com a posse da bola pode ser uma estratégia de controle do jogo. Não necessariamente para buscar atacar e fazer o gol. Mas também para “descansar” enquanto se joga e para se defender através da posse da bola.
 
É claro. O desgaste físico-técnico-tático-emocional de uma partida pode ser influenciado pelo ritmo do jogar. E o ritmo do jogar, pode se bem incorporado a estratégia e ao modelo de jogo, ser controlado pela equipe que tem a posse de bola (independente desta estar ou não a buscar o ataque).
 
Da mesma forma, para fazer um gol a bola precisa ser “atirada” de alguma forma contra ele (o gol, a meta, etc.). Se partirmos do pressuposto de que os jogadores da própria equipe não farão isso contra sua própria meta, então o adversário só o conseguirá fazer se algum dos seus jogadores puder “tocar” na bola. Se a equipe conseguir, para tanto, manter a posse da bola sem necessariamente buscar o ataque, poderá estar eficientemente se defendendo com a bola.
 
Esse conceito já pode por diversas vezes ser visto com sucesso no futebol inglês, em alguns momentos do jogo, em algumas equipes comandadas por treinadores não ingleses. Obviamente, essa não é a única forma de se defender ou “descansar”. Mas é uma proposta diferenciada dentro dos modelos de jogo que normalmente vemos por aí.
 
Estou certo, porém, que desenvolver tal conceito não é tarefa das mais fáceis dentro da cultura “futeboleira”. Nem tão pouco é assunto totalmente “pacífico” em ambientes como o Café dos Notáveis. O fato é, que dentre as tantas coisas que dizem que não podem ser mais “inventadas” no futebol (porque nele já não há mais nada a se inventar – segundo os “boleiro-especialistas”) está aí um conceito com espaço para ser desenvolvido.
 
É claro que, como tantas outras questões tático-estratégicas do futebol, paira sobre a idéia de que a posse de bola nessa perspectiva pode deixar o jogo desacelerado e menos interessante; argumento com o qual não posso concordar.
 
O conceito de se defender com a bola, como vejo, não preconiza o simples ficar por ficar com a bola. Incentiva sim a percepção e a significação do estar coletivo e individual com a posse da bola. E perceber e dar significado possibilita a todo tempo ler o jogo para tomar qualquer decisão que promova o jogar bem (que é diferente do jogar bonito, mas não o exclui). E isso quer dizer que a qualquer desequilíbrio adversário a possibilidade de se buscar mais um ataque é parte da estratégia.
 
Para perder um jogo, talvez tenhamos quatro possibilidades conceituais (que se ramificam). Ou perde-se por erro de estratégia, ou por qualidade do adversário (individual e/ou coletiva), ou por erro na ação (individual do jogador ou coletiva da equipe), ou por fatores externos à lógica do jogo (exemplo, erro da arbitragem).
 
 
O erro de estratégia tem relação direta com a qualidade do adversário (individual e coletiva) porque a elaboração da estratégia deve levar em conta a tal “qualidade”.
 
As ações individuais e coletivas também podem ter relação com a atuação do treinador, mas não necessariamente com sua estratégia de jogo. Então a estratégia do treinador e a qualidade do adversário são variáveis diretamente relacionadas e dependentes da atuação do treinador através de sua estratégia de jogo (e portanto, da sua leitura do jogo).
 
A ação individual e coletiva de seus jogadores e equipe também estão atreladas a atuação do treinador, porém mais ao seu modelo de treino e processo de trabalho.
 
A última grande variável “fatores externos a lógica do jogo” é aquela de menor ou nenhuma responsabilidade do treinador e sua estratégia de jogo (ainda que particularmente poderia contestar essa afirmação – deixemos para outro momento).
 
Em resumo, das quatro grandes varáveis, duas (50%) têm relação direta com as decisões do treinador sobre sua estratégia de jogo. Os outros 50%, aparentemente ainda denotam a ele menor responsabilidade (mas volto a dizer: isso pode mudar!).
 
Defender-se com bola é uma estratégia dentro do modelo de jogo – que é proposto pelo treinador e que pode potencializar erros no início do processo. Os erros quando aparecem, são muitas vezes suficientes para fazer com que o planejamento tome outra direção. Mas o que deveria ocorre
r na verdade é o correto entendimento do processo para diagnóstico exato dos porquês dos erros. Somente assim eles podem ser corrigidos; e somente assim a vitória virá.
 

Mais uma vez eu insisto: quando não se sabe por que se ganha, também não se saberá por que se perdeu. E aí, o fundo do poço é o limite…

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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