Caso FC Porto e sua importância para o direito desportivo

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Caros amigos da Universidade do Fubebol,

Temos acompanhado o caso da participação do Porto na Liga dos Campeões, e verificado um desenrolar interessante, cujas peculiaridades gostaria de comentar na coluna de hoje.

Como já sabemos, o Porto havia sido condenado pela Federação Portuguesa de Futebol por corrupção e manipulação de resultados. O clube, que recebeu pena pecuniária relativamente branda e redução de pontos no campeonato português que não afetava sua posição de campeão nacional, decidiu por não recorrer da decisão.

Essa decisão acabou não sendo a melhor estratégia, uma vez que a UEFA, através de seu órgão disciplinar, decidiu afastar o clube da próxima edição da Liga dos Campeões, já que um dos critérios de admissibilidade da competição é o não envolvimento em casos dessa natureza.

Pois bem, os advogados o FC Porto, muito habilmente apresentaram defesa no órgão de “segunda instância” da UEFA em duas frentes de argumentação. A primeira delas, alegando que, por conta de recursos apresentados à Federação Portuguesa por outros clubes (igualmente envolvidos), a decisão contra o Porto não era definitiva e, portanto, não poderia ser considerada pela UEFA. Além disso, alegaram o princípio da retroatividade para esclarecer que, à época em que os fatos envolvendo o Porto ocorreran, não havia ainda o dispositivo em questão nos regulamentos da UEFA (art. 1.04,d do Regulamento da Liga dos Campeões).

Desta forma, a UEFA decidiu devolver o caso para a comissão disciplinar de primeira instância, que não vai decidir sobre o caso em tempo de hábil, o que devolve o FC Porto à competição em sua próxima edição.

Com esse desenrolar, pudemos tirar as duas conclusões abaixo, de grande relevância para o meio jurídico/desportivo na Europa. Elas dão indícios da tendência mundial para resolução de casos na esfera relacionados ao esporte na esfera administrativa:

  1. Independência dos órgãos judicias desportivos. Em recente declaração, o Presidente da UEFA não teve receios de dizer que é radicalmente contra a decisão tomada, e que, por ele, o FC Porto permaneceria fora da competição. Veja, isso demonstra que nem o Presidente da associação tem poder para manipular qualquer decisão para atender finalidades políticas ou de convicções próprias.
  2. A decisão tomada levou em consideração a estrita legalidade da aplicação das penalidades aos fatos ocorridos, dentro de uma lógica jurídica de interpretação e aplicação da regulação. A fundamentação jurídica mostrou-se fundamental para a decisão tomada.

Desta forma, concluímos que essa é uma tendência que temos verificado nos tempos atuais. Os órgãos desportivos buscam, ao máximo, o reconhecimento da justiça para tomar suas próprias decisões, com estrita observância dos princípios da especificidade do esporte, subsidiariedade e autonomia dos órgãos desportivos. E é através dessa independência e legalidade das decisões, que esse objetivo vai ficando cada vez mais próximo de ser alcançado na sua plenitude.

Todos nós sabemos que o mercado Europa infesta-se de jogadores de futebol brasileiros. E não é a toa. Nossos jogadores, via de regra, mostram no velho continente que possuem uma qualidade técnica que em média é muito superior aos demais jogadores, eu diria, do mundo (exceção talvez feita aos jogadores argentinos).

De toda forma, o que temos notado é que aqueles jogadores formados fora da Europa terão, a cada dia, maior dificuldade de atuar em clubes europeus.

A UEFA (confederação continental européia) tem grande preocupação com a formação de jogadores europeus (os chamados “home-grown players”). Para se ter uma idéia, durante a temporada 08/09 nas suas principais competições de clubes (Liga dos Campeões e Taça UEFA), adotar-se-á a regra de que, do limite de 25 jogadores que podem ser inscritos, 8 obrigatoriamente devem ser formados na Europa (entenda-se formado na Europa, em linhas gerais, o jogador que tenha sido registrado por um clube europeu durante 3 temporadas no período entre seus 15 e 21 anos).

O número parece pequeno de home-grown players, porém tem sido gradualmente elevado. Na temporada 06/07 era de 4. Na temporada 07/08, foi aumentado para 6.

A FIFA também apoia essa iniciativa. Vimos o Presidente Blatter dizer na cerimônia de entrega de da Copa de 14 ao Brasil: “jogadores brasileiros, fiquem em seu país.”. A grande justificativa é o receio de que se perda a identidade local dos clubes, com o exceço de jogadores que, por terem sido formados fora daquele país, não colaborariam para manter viva a cultura local através do futebol.

Interessante notar que essa regra nada diz respeito com relação a questão da cidadania do jogador. Ou seja, o que importa é que a quota mínima de jogadores tenha sido treinada na Europa, podendo ser de outra nacionalidade. Brasileiros poderia “driblar” essa regra caso tenham sido treinados pelo menos 3 temporadas nas suas formações em clubes europeus.

Para a questão da cidadania, lembramos que existe outra regra que limita o número de estrangeiros dentro das quatro linhas, dependendo da competição.

A questão intessante a se pensar é até que ponto chegará esse limite mínimo de home-grown players que vem crescendo a cada temporada? Poderá um dia haver uma tentativa de não se admitir jogadores formados no exterior? Além disso, questões de ordem legal saltam aos nossos olhos: não seria uma regra que limitaria o direito de trabalhar dos jogadores? E o direito a livre concorrência? Ou essas questões estariam cobertas pela especificidade do esporte?

E não seriam apenas os jogadores os prejudicados. Do outro lado da balança temos os clubes e as ligas européias, que obviamente querem times mais competitivos, e portanto recheados de estrangeiros de qualidade. Essas partes igualmente se oporiam a uma limitação exagerada de jogadores formados no exterior.

Até onde temos notícia, não há julgados nas Cortes européias sobre essa matéria. Mas, certamente, caso o limite mínimo de home-grown players continue a subir, muitos casos deverão surgir.

Vendo a questão pelo lado do mercado brasileiro, essa potencial confusão jurídica pode dar mais uma deixa para que os clubes e federações aproveitem para manter bons jogadores por maior período no Brasil, e assim colaborar para o desenvolvimento do futebol pátrio.

Mais do que isso, todas as partes envolvidas, incluindo os operadores do direito desportivo, terão maior segurança jurídica nas suas atividades.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br

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