A tática do chutão

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O “chutão” é cada vez mais elemento comum, presente em jogos de futebol das mais diversas categorias e competições.

Antes porém, em tempos remotos, sintoma e identidade de jogadores tidos como de qualidade técnica duvidosa; hoje, requisito necessário, solicitado e exigido de um jogador que “joga sério”. Que inocência!

Existem teorias e mais teorias que tentam justificar, explicar o que ora parece óbvio, ora inexplicável. O fato é que hoje em dia o futebol parece mais um “gol a gol” (ou uma briga de gigantes que disputam bolas aéreas) do que um jogo que possibilita diversas estratégias de construção, com toques de bola, dribles e movimentações envolventes.

Interessante notar que na maior parte das vezes que uma equipe (especialmente no Brasil) que marca pressão ou faz pressing, recebe como resposta adversária o “chutão”. Então o jogo acaba por se tornar um pressionar para que o adversário chute, se livre da bola, enfim, devolva-a da maneira menos arriscada possível.

Nada contra as formas incisivas e intensas de se recuperar a posse da bola. O problema na verdade é ter no chutão a única alternativa de jogo para romper com a pressão adversária.

No Brasil, muitas equipes exercem pressão alta sobre a bola e têm nessa estratégia característica importante na sua forma de jogar. O problema é que essa pressão muitas vezes não faz parte da arquitetura coletiva da equipe; é uma pressão individual. Como é individual, torna-se difícil admitir que o chutão seja a melhor opção para vencê-la (a pressão).

Em algumas equipes brasileiras, argentinas e européias a pressão dá lugar ao pressing e à sua elaboração coletiva; o que torna mais difícil a circulação da bola pela defesa adversária e por algumas vezes pode justificar o chutão como alternativa. Como o “muitas vezes” não quer dizer “sempre”, e como o chutão não é estatisticamente a ação mais eficiente para êxitos ofensivos, foram aparecendo especialmente nas equipes holandesas, inglesas e espanholas, estratégias de anti-pressing.

Todas as vezes que uma equipe recebe pressing, encontra, na maior parte das vezes, como melhor solução o chutão em profundidade (maior profundidade possível). Outras alternativas parecem ficar esquecidas (ou melhor escondidas, como se não existissem).

Na maioria das ações de pressing a equipe que a realiza consegue vantagem numérica na região próxima a bola, com limitação espaço-temporal imposta ao jogador que tem a posse da bola. Há também proteção organizada de áreas de jogo de maior importância e desequilíbrios controlados e propositais de regiões (posições de campo) tidas como menos valiosas – que ficam “menos cobertas”.

Essas regiões não sofrem ou sofrem menos pressão e tem portanto uma característica importante: possibilitam ações com bola de trânsito menos turbulento e congestionado.

Na prática, essas regiões de menor pressão acabam na maioria das vezes, presentes em faixas do campo opostas horizontalmente (em largura) àquelas que estão recebendo pressing (quando o pressing ocorre em profundidade). Quando o pressing é em largura, essas regiões acabam na maior parte das vezes ocorrendo entre a linha de zagueiros e a do goleiro.

E aí, será mesmo o chutão a melhor estratégia para desbravar pressings e pressões?

É claro que a idéia de tirar a bola da pressão, fazendo-a trocar de faixas do campo de jogo (da esquerda para a direita e da direita para a esquerda), com mobilidade vertical e horizontal é algo mais elaborado do que seqüências de chutões. Mas pode também ser mais eficiente no início da construção de ataques subseqüentes.

Obviamente que para dar chutões, uma equipe não necessita de treinamentos bem estruturados e elaborados, com grandes níveis de exigência e complexidade (ainda que existam pessoas que acreditam no contrário disso).

Obviamente também que alcançar novas possibilidades como criar estratégias para retirar a bola da zona de pressão e possibilitar construções de jogo mais consistentes necessita de uma compreensão do jogo mais elaborada e real. E isso custa mais (mais planejamento, mais conhecimento, melhor trabalho).

Claro, os chutões podem até ser uma boa resposta a uma ou outra situação-problema específica do jogo; mas não a única e tão pouco a melhor.

Afirmar que determinada ação vai ser sempre melhor, em detrimento de uma outra que normalmente é pior é tão imprudente quanto acreditar que dar chutões é mais eficiente para evitar riscos defensivos do que a construção de um jogo elaborado.

O fato é que ter nos chutões a primeira regra de ação em qualquer situação-problema como solução eficiente, contribui muito pouco para o jogo bem jogado e para a construção de possibilidades ofensivas mais eficazes.

Então dar chutões parece ser bom mesmo para o adversário que arma estratégias justamente para forçá-lo (forçar o chutão). E aí como diria não me lembro quem, “em terra de louco, quem é são; é louco”.

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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