Esgoto, Cólera e Tuberculose

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Esqueça a decisão do TAS que dá mais poder aos clubes e menos poder à FIFA, ou – pelo menos, ao COI. Se a FIFA quer que o COI tenha poder, aí é outra história, mas de qualquer maneira, esqueça isso. É um assunto muito óbvio pra essa coluna. Eu ia voltar a falar da já longa luta entre os principais clubes do mundo e os órgãos reguladores do futebol. Acho que já falei muito disso. Chega. Pelo menos por enquanto.

Um assunto muito menos óbvio acabou não ganhando a devida repercussão. Mas tem potencial para criar um estardalhaço absurdo. Não vai, mas que tem potencial, isso tem.

O caso foi o seguinte: na Itália, um torcedor do Nápoli ganhou na justiça uma ação em que a Internazionale terá que indenizá-lo em 1.500 euros. O motivo alegado pela justiça foi ‘danos existenciais’. Tudo porque torcedores da Inter colocaram faixas na partida disputada contra o Nápoli no estádio San Siro chamando os napolitanos de ‘Esgoto da Itália’, numa alusão ao problema que a cidade sofre com a coleta de lixo. Além disso, outras faixas diziam coisas como ‘Olá, sofredores de cólera’ e ‘Napolitanos têm tuberculose’. Aí o cara se sentiu ofendido, no caso existencialmente ofendido, enfiou um processo e vai levar uma pequena grana pra casa.

Ok, convenhamos que chamar alguém de ‘sofredor de cólera’ não é um negócio muito aplaudível. Ainda mais se a pessoa realmente teve algum problema do tipo, que não sei se é o caso. Entretanto, a ofensa mútua e bruta sempre foi um dos combustíveis do futebol. É quase que uma premissa do jogo. Você vai a uma partida para torcer, xingar e ser xingado. Quem acompanha futebol conhece essa regra não-escrita. É uma questão de costume, de tradição.

Pelo menos era assim. A sociedade e o futebol, por conseqüência, vêm sofrendo um processo de racionalização comportamental ao longo dos anos. Coisas que eram possíveis antes, hoje são reprimidas. Coisas possíveis hoje, serão reprimidas amanhã. Os esportes não fogem disso. Cada vez menos são permitidos os desvios comportamentais, principalmente de dirigentes, técnicos e jogadores. Tira um pouco da graça, claro, mas é uma transição socialmente imposta. Não tem muito o que fazer. Alguns chamam esse processo de ‘macdonaldização’, numa óbvia alusão à rede de fast-food estadunidense, que é essencialmente o processo em que as pessoas ficam tão preocupadas com o que os outros dizem que tudo acaba perdendo a graça, no caso o sabor. Tal qual um sanduíche feito em poucos minutos. Fica tudo meio pronto. Um tanto quanto previsível. Entretanto, essa limitação comportamental sempre ficou restrita aos atores do jogo, e não aos espectadores. Com essa imposição também migrando pro lado de fora do campo, a coisa toma outro rumo, que não necessariamente é legal.

Dá pra entender as razões que levam um juiz a dar uma sentença dessas, principalmente dada a onda de violência entre torcidas na Itália. Não acho que a moda vá pegar em outros lugares, mas – se pegar, o futebol certamente vai perder um pouco da sua graça e, talvez, um pouco do seu público. Futebol é um jogo, sim, mas a provocação entre torcidas faz parte do pacote. Tudo, obviamente, dentro dos limites aceitáveis. E o impasse todo talvez seja justamente esse. Cada dia que passa, o limite fica menor. Quanto o futebol irá agüentar sem mudar a sua essência?

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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