A velocidade tática e as fases sensíveis do desenvolvimento atlético

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Avançar em conceitos e paradigmas com raízes profundas não é coisa fácil.

Um grande pensador e professor amigo meu costuma dizer que nós seres humanos quando nascemos somos como uma garrafa quase vazia. Muito espaço para ser preenchido, pouca coisa já bem estabelecida.

Nós (humanos!) vamos preenchendo-a por toda vida. Lemos, assistimos, estudamos,escutamos, experimentamos; a cada nova vivência, a cada novo estímulo, mais um passo em direção as verdades que vamos construindo.

Pois bem. Com tantas verdades sendo construídas, nada mais normal do que a existência freqüente e permanente de choques de idéias; ainda mais quando o assunto é futebol.

Um tema recorrente e já abordado por mim em pelo menos outras duas oportunidades “ressuscitou” nesta semana em uma “mesa redonda” (organizada por uma instituição de ensino superior em São Paulo) com estudiosos do treinamento desportivo.

Existe um grupo de pesquisadores/cientistas que acredita que jogadores de futebol precisam desenvolver de forma maximizada a velocidade cíclica. Defendem a idéia de que tal capacidade deve ser potencializada principalmente em sua fase sensível (segundo alguns autores aos 12 e 13 anos de idade).

O principal argumento é de que ela poderia potencializar a velocidade de jogo (e que mesmo que isso não fosse verdadeiro, sua melhora não traria prejuízo algum na forma desportiva do jogador de futebol). Outro argumento, talvez mais sedutor, trata logo de lembrar que se um jogador que estiver em processo de formação, tornar-se no futuro um zagueiro, precisará ter aproveitado desenvolver a velocidade cíclica em sua fase sensível – pois, por exemplo em um lançamento em um jogo, poderá necessitar “vencer” um atacante chegando na frente dele (correndo mais rápido do que ele!).

Sedutor, porém com um erro conceitual grave.

Antes de me explicar, posso afirmar que em mais de 500 avaliações físicas (avaliando sprints de velocidade) que presenciei ou tive acesso de alguma forma aos resultados, na maior parte delas os zagueiros foram e eram mais lentos em corridas de velocidade cíclica (em distâncias que variaram entre 15 e 45 metros) que os atacantes, laterais e meias. Os atacantes em geral eram os mais rápidos. Ou seja, os jogadores mais lentos acabam por confrontar em boa parte dos jogos os seus “pares” mais rápidos.

Destino cruel…

Então, claro, estariam certos meus amigos pesquisadores: como aos 12 ou 13 anos ainda não se sabe ao certo qual a posição esse ou aquele jogador assumirá no futuro, melhor mesmo é desenvolver o máximo possível a velocidade cíclica.

Gostaria então antes de mais nada relembrar mais uma vez que o futebol é um jogo em que a defesa sobressai ao ataque. Muitas seqüências ofensivas, muitas ataques, poucos gols. Diversos são os motivos. Não vou discuti-los hoje. Fato mesmo é que de alguma forma nossos jogadores “tartarugas cíclicas” (devo chamá-los assim?) têm conseguido levar vantagem sobre os nossos “papa-léguas”.

É óbvio que o zagueiro (ou qualquer defensor de uma equipe) precisa diversas vezes no jogo vencer os atacantes adversários; em muitas situações tendo que chegar na frente. Mas, volto a lembrar: chegar mais rápido (ou primeiro, ou na frente) não significa correr mais velozmente.

E aí está o ponto. Ao invés de potencializar a habilidade do jogador de ser mais rápido, independente da situação-problema do jogo (pela estruturação do espaço, pela comunicação coletiva na ação, pela fundamentação técnica; ou por alguma competência específica mal desenvolvida) a preocupação torna-se “física”.

É preciso que fique claro que não é necessário que se atinjam níveis elevados dessa ou daquela capacidade física isolada para se jogar futebol em alto nível de excelência. Pensa-se em melhorar a resistência física, a força física, a velocidade física. Dever-se-ia pensar em potencializar a resistência de jogo, a força de jogo, a velocidade de jogo; e quando escrevo jogo me refiro a algo muito mais amplo e profundo do que olhá-lo sob a perspectiva física ou do senso comum.

Jogar não é correr ainda que haja no jogo corridas. Jogar não é saltar ainda que haja no jogo saltos (tocar piano não é flexionar os dedos ou o carpo, ainda que haja no tocar piano flexão dos dedos e do carpo).

Preenchamos nossas garrafas. Muita atenção sempre com o que vai para dentro dela. E principalmente, cuidado para nunca esquecer que o nível sempre vai estar distante da boca; porque se acreditarmos que a garrafa ficou realmente cheia, teremos chegado ao fim, ao nosso fim.

è  Enchendo a minha garrafa

O autor do texto que vos escreve dá aulas de Bioquímica e Fisiologia do Exercício nos cursos de especialização da UGF. É professor de Teorias do Treinamento Desportivo e de Metodologia do Ensino do Futebol. Está terminando seu Doutorado em Ciências do Esporte. Aprendeu que o ser humano não é biológico, não é exato, nem sequer mesmo é “humano” (ainda que seja HUMANAMENTE DE BIOLOGIA (IN)EXATA, (IN)EXATAMENTE DE HUMANIDADE BIOLÓGICA, BIOLOGICAMENTE DE (IN)EXATIDÃO HUMANA). Não resolveu ser do contra, apesar de vez ou outra “cutucar” seus pares acadêmicos. Costuma dizer que sua garrafa ainda está vazia, mas que com empenho chega à metade até os 70. Depois sua humanidade biologicamente inexata é quem dirá…

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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