Antes de começar essa coluna, é importante deixar bem explícito aqui qual é o meu viés político. Nunca votei no Lula, tampouco no PT. Isso não quer dizer, necessariamente, que eu desaprove ostensivamente a política do governo federal atual. Não. Respeito o partido, entendo o seu posicionamento e acredito que desempenha um papel essencial em qualquer sociedade democrática. Mas não engulo muito a retórica, principalmente a extremista. Mas o fato de que muito daquilo que o partido pregava não ter sido feito durante o tempo de governo do Lula me faz aplaudi-los.
Agora que você já sabe qual é a minha opinião sobre o presidente, permita-me tecer algumas palavras a respeito da excelente entrevista realizada pelo programa ‘Bola da Vez’, da ESPN Brasil. Foi a primeira vez, pelo menos que eu tenha visto, que um programa conseguiu conversar com o presidente exclusivamente sobre esportes, em especial o futebol. Em geral, as entrevistas pincelam o assunto, o que não dá às respostas uma legitimidade interpretativa minimamente possível. Eis que o programa nos permitiu ver o que de fato se passa na cabeça da figura maior do nosso Estado.
Em todos os lugares, independente da riqueza, é a postura do Estado que constrói o caminho para a evolução ou para a regressão do esporte. Na Inglaterra, foi a obrigatoriedade imposta pelo governo que obrigou os clubes a transformarem os seus estádios na década de 90. Não fosse por ela, é possível que os estádios ingleses hoje não fossem tão evoluídos, o que implicaria também no atraso da evolução dos estádios em outros lugares do mundo. Na Europa, por sua vez, foi a postura da Comissão governante que obrigou a adequação dos contratos de trabalhos de jogadores a patamares mais próximos de profissionais ordinários. Todas essas mudanças, que foram essenciais para a modernização do futebol, aconteceram por conta da postura do Estado em relação ao esporte.
Na entrevista, Lula deixou claro, por seguidas vezes, como que ele enxerga o futebol no Brasil: como torcedor, corinthiano, apaixonado. E isso não é nada bom. Suas análises a respeito do futebol no país foram construídas por assunções generalizadas e massificadas, que pouco condizem com o que de fato acontece com o esporte no país. Disse ele, por exemplo, que tem que ser bolado um jeito para jogadores de futebol parem de sair do futebol tão cedo e que a Lei Pelé precisa ser readequada, uma vez que ela foi feita pensada nos jogadores, e não nos clubes.
Confesso que quando eu ouvi isso, dei uma pequena risada e balancei a cabeça negativamente. Ora. Um presidente, ex-líder sindical, que foi eleito por um partido que, teoricamente, representa o proletariado, diz – em cadeia nacional – que é preciso repensar uma lei que beneficia os trabalhadores para que ela passe a beneficiar as instituições? Que é preciso dar menos poder ao indivíduo? Onde foi parar o ditado “Quem bate cartão não vota em patrão”?
Em seu favor, Lula argumentou que o problema todo é que, se antes os jogadores eram reféns dos clubes, agora viraram reféns dos empresários, que são os principais beneficiados com a Lei Pelé. Esse é um exemplo explícito de como o discurso massificado é assumido pelo comandante geral do país sem a preocupação com a interpretação mais precisa da realidade.
Tivesse se preocupado em buscar as verdadeiras razões para o cenário atual, ou se pelo menos tivesse sido melhor assessorado a respeito do assunto, o presidente saberia que ninguém nasce escravo de ninguém, muito menos jogador nasce ligado obrigatoriamente a um empresário. O presidente saberia que a grande maioria dos jogadores de futebol que surgem como promessas são pessoas de baixíssima renda, com pouquíssimas perspectivas de vida fora do esporte. Saberia que, por conta disso, quando esse jogador se consolida como uma promessa, ele fica feliz por fechar com um agente por alguns milhares de reais, dinheiro esse que servirá para comprar comida, geladeira, fogão, reformar o telhado da casa, ou suprir qualquer outra necessidade básica a família do jogador possua. Qualquer pessoa de baixa renda que desempenhe uma função busca maximizar a receita no menor tempo possível. E é por isso que ela fecha com empresários, que posteriormente leiloam os direitos econômicos com clubes, o que acaba fazendo com que se ache que o jogador perdeu o controle sobre a sua própria vida. Na verdade, é bem possível que a vida do jogador esteja melhor por conta do empresário do que estaria sem o mesmo. Antes da Lei Pelé, era comum ouvir jogadores reclamando do poder dos clubes. Você já ouviu algum jogador reclamando do poder do seu empresário?
Ao que me pareceu, Lula falou como se estivesse sentado em uma mesa ao redor de amigos, sem muitas pretensões oficiais. E, talvez, o problema seja que ele pense no futebol como apenas um assunto interessante, que é um ótimo passatempo, mas com ramificações incompreensíveis.
Não encampo a causa dos agentes de futebol, mas encampo a liberdade do indivíduo de tomar suas próprias decisões, ou estar ciente de cedê-la para que alguém mais preparado o faça. Lula, por ser um democrata de esquerda, também pensa assim. O problema, talvez, seja que ele torça muito por um jogo de futebol e que, com isso, deixe de pensá-lo como o complexo fenômeno que de fato é.
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