O tema é atual, mas não novo…
Em Agosto de 1983 a FSP promoveu em seu auditório um debate sobre o assunto. Tive a oportunidade de acompanhá-lo in loco e, decepcionado com seu rumo, fiz o que continuo fazendo até hoje: Manifestei-me através de carta encaminhada à Redação de Esportes daquele jornal, a qual foi publicada sob o título “Debate sobre Violência Frustra Leitor”. Dizia ela:
“Tendo presenciado o debate promovido pela Folha sobre a Violência no Futebol, registro minha frustração pela forma um tanto quanto centralizadora e, por isso mesmo, autoritária, adotada na condução dos trabalhos, como também pelos rumos tomados pelo debate.
Falou-se do legal, mas em nenhum momento questionou-se o legítimo. Tratou-se da Autoridade, mas em nenhum momento abordou-se o autoritarismo. Falou-se da necessidade de respeitar as regras do jogo, mas em nenhum momento cogitou-se da necessidade e legitimidade de os atletas participarem do processo de elaboração dessas regras e da eleição dessas autoridades. Falou-se até da necessidade de uma legislação penal esportiva mais severa, como forma de coibir-se a violência no futebol. Primeiro o próprio Sistema institui a violência, depois ele mesmo propõe formas violentas para reprimi-la!!
Perdeu-se, enfim, mais uma grande oportunidade de se falar da necessidade de democratização do futebol brasileiro, como forma de erradicação da violência na sua prática”.
Pois não é que passado exatamente oito dias da publicação da carta, ao buscar a coluna semanal que o publicitário Carlito Maia assinava naquele jornal, fui surpreendido por um texto que, sob o título “A Justiça dos Homens” se reportava à minha carta para falar da questão da violência…
26 anos depois, cá estamos nos deparando com o mesmo assunto… Que pelo menos, então, nos lembremos de Carlito Maia – que nos lembrava que o céu não criou o homem acima dos homens, nem abaixo dos homens – e, quem sabe, motivemos com suas palavras o surgimento de mais Carlitos em nosso mundo…
A JUSTIÇA DOS HOMENS
“O leitor de jornal sempre tem razão, especialmente quando se trata de quem já aprendeu a distinguir as coisas que são mentiras das que não são verdades, caso do Senhor Lino Castellani Filho, que escreveu à Folha Esportiva sobre o debate Violência no Futebol.
Vou sistematizar aqui o pensamento dele que, por acaso, coincide exatamente com o meu:
‘Falou-se do legal, mas em nenhum momento questionou-se o legítimo. Tratou-se da autoridade, mas não se abordou o autoritarismo. Falou-se da necessidade de respeitar as regras do jogo, mas não se cogitou da necessidade (e legitimidade) de os atletas participarem do processo de elaboração dessas regras, e da eleição dessas autoridades. Falou-se até da necessidade de uma legislação penal esportiva mais severa, como forma de coibir-se a violência no futebol. Primeiro, o próprio Sistema institui a violência, depois ele mesmo propõe formas mais violentas de reprimi-la!’
“E assim arremata o mais que atento leitor”:
‘Perdeu-se, enfim, mais uma grande oportunidade de se falar na necessidade de democratização do futebol brasileiro, como forma de erradicação da violência na sua prática’.
“Belas e sábias palavras, Lino Filho, que representam o sentimento geral sobre a justiça dos homens da cartolagem, do mando, do poder. Juro que eu já havia escrito umas coisinhas sob o título acima, A justiça dos homens, em que dizia o mesmo que você, não tão inteligentemente, confesso, mas com a mesma sinceridade e veemência, garanto.
Porque eu já estou de saco cheio pelo fato de nós, brasileiros, nunca irmos ao âmago dos problemas, jamais vamos fundo, como dizem, ficamos eternamente pela rama, pelas beiradas, catando um jeitinho de maneirar as coisas, maldito sejas, Macunaíma, o falso malandro.
Neste País há dois códigos em vigor, Lino: o civil, para os poderosos, e o penal, para os miseráveis. No Brasil que foi da gente um dia, a injustiça é que a justiça dos fortes, coisa mais degradante.
Por que haveria o futebol de estar livre dessa podridão toda?…
Urge corrigir o Brasil, grande país, Nação anã, antes que seja tarde demais, antes que a geléia geral inunde tudo, do Oiapoque ao Chuí. E falta pouco, quase nada.
O povo está exigindo uma Assembléia Nacional Constituinte, eleita expressamente para ordenar as novas regras do jogo social brasileiro, as regras que sempre tivemos impostas, na marra.
Temos que batalhar pelo fim da LSN, lutar por uma Reforma Agrária, exigir eleições diretas em todos os níveis, acabar com essa imoralidade dos “biônicos”, dar um chega pra lá nos hitherzinhos e nos mussolinizinhos. Só assim poderemos pensar em justiça desportiva de verdade, não essa impostura vergonhosa da justiça dos hômi, com suas leis e seus juízes. Você tem toda razão, Lino, tanto que joguei fora o que já havia escrito e peguei uma carona em sua preciosa carta à Folha Esportiva, lembrando-me de John Lennon em sua canção, Imagine: dizem que sou um sonhador, mas não sou o único.
Da legalidade que nos enfiaram goela a dentro desde 1964, estou farto. Quero mais é a legitimidade das coisas, assunto do qual só o povo todo pode tratar, com liberdade e com a dignidade de viver reconquistada. Salvo o Brasil, salvo estará também o futebol brasileiro, Castellani Filho. As gerais estão se guardando pra quando o carnaval chegar…”
*Lino Castellani Filho é Doutor em Educação, docente da Faculdade de Educação Física/Unicamp, pesquisador-líder do “Observatório do Esporte” – Observatório de Políticas de Educação Física, Esporte e Lazer – CNPq/Unicamp, e foi Presidente do CBCE (1999/2003) e Secretário Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer/Ministério do Esporte (2003/06)