Trekking e futebol

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Olá amigos. Na coluna de hoje aproveito para fazer uma analogia nada convencional entre práticas complemente distintas, mas que nos permite refletir sobre possibilidades de intervenção no futebol à luz de perspectivas diferentes, ou de enxergar e otimizar o que já é evidente através de um olhar diferente.

Não é pretensão aqui comparar valências físicas, estratégias, nem princípios operacionais do trekking com o futebol. A idéia é ilustrar como a organização e a estrutura de uma equipe nesta modalidade de aventura ou meio ambiente (como queiram), pode dar exemplos de organização, processo e atualização tecnológica, esta última no sentido de aceitar e incorporar a tecnologia não como solução dos problemas, mas como facilitadora e ferramenta de otimização.

Não sou um ‘expert’ em trekking. Confesso que comecei essa prática no inicio de 2008 e, apesar dos pesares, acabei me tornando um aventureiro (pelo menos uma vez por mês), desde então.

Para os mais perdidos do que eu, trekking, dentre as suas definições, é um enduro a pé de regularidade, caminhando em trilhas, seguindo orientações de uma planilha, em que o importante, além do contato com a natureza, não é chegar mais rápido, e sim passar nos pontos determinados, o mais próximo possível do tempo estipulado… Nem antes, nem depois.

Pois bem, as equipes, geralmente, são compostas de três a seis pessoas, e as suas funções são bem especificas, podendo ser acumuladas, ou ainda, realizadas por dois integrantes para ter sempre uma segunda opinião. São elas (me desculpem os mais ‘experts’ se faltar algum detalhe mais aprofundado, mas acredito que dê para compreender o objetivo da comparação):

Navegador: responsável pela leitura da planilha (mapa), identificando direções e rotas a seguir.

Cronometrista: responsável pelo controle do tempo e da velocidade, de acordo com as metas estipuladas na planilha, para evitar que se percam pontos, passando muito antes ou muito depois do tempo previsto.

Contador de passo: a planilha indica as distâncias em metros e, como não é permitido levar uma trena ou algo que faça essa mensuração, converte-se os metros em passos, de acordo com o tamanho da passada do participante, variando ainda o tamanho de acordo com subida, descida, deslocamento em água, etc.

Bússola: responsável por identificar os pontos exatos e fazer a mensuração do sentido a seguir.

Outras: fazer a conexão com o posto de controle, cálculos de conversão, etc.

Eis a primeira lição que poderemos tirar para o futebol, sobretudo sobre como pensarmos em uma equipe de comando (comissão técnica). Quem é o mais importante e tem a palavra final?

No caso, eu sou o líder da equipe, mas minhas atribuições, enquanto líder, são apenas inscrever o time. No mais, encho as garrafinhas de água e separo as barras de cereais.

Não há uma figura que tome a decisão final. Dentro de cada função, a decisão é absoluta daquele que é responsável por ela. Para a navegação, nem o contador de passo, nem o cronometrista ficam dando opinião e ou vetando as decisões. E é assim com cada função.

O amigo pode fazer a seguinte pergunta: Mas, e quando há discordância ou dúvidas? E se eu achar que ele está errado? Não seria importante a figura de um líder que tenha a última palavra em tudo?

A divisão de funções e responsabilidades deve ser respeitada. Primeiro, porque ao distribuir as responsabilidades, permite-se que alguém se dedique com maior profundidade àquela função.

É difícil, tanto no trekking, e mais ainda no futebol, alguém com tamanho poder de decidir tudo (hoje as coisas não funcionam assim, dá-se muita atenção para a figura de uma única função da comissão técnica), pois são tantas as variáveis que influem no jogo, que se torna uma tarefa complexa para uma pessoa só. Além disso, se existe essa dedicação não se pode tomar uma decisão estando alheio àquela especificidade. Há o dialogo, o questionamento, mas tudo como forma de conferência, e não como decisão final, pois ela cabe àquele que está voltado especificamente para determinado aspecto.

Essa divisão de tarefas, muitas vezes, é discutida e até tentada no futebol, mas, porque sempre temos de ouvir e dar razões aos boleiros que dizem que se não resultar em gol, nada tem importância?

Olhando o exemplo do trekking, vejo uma resposta: a divisão das tarefas envolve, também, a divisão das responsabilidades, mas, no futebol, nem sempre, ou quase nunca, elas se acompanham. Dividem-se as tarefas e funções, mas a responsabilidade, seja por opção de quem cobra, seja por opção daquele que é cobrado, não é dividida, e acaba-se por cair na necessidade de tomar uma decisão estando superficialmente inserido nas especialidades.

Se a tarefa e a responsabilidade estivessem igualmente dividas, a decisão é daquele que estiver imerso no assunto, permitindo que cada função seja desenvolvida de forma profunda e coerente, e não apenas na superfície.

O outro aspecto é a inserção da tecnologia. Daí, busco exemplos também na nossa experiência nessas ‘aventuras’, focando especificamente a função de contador de passos.

Nas primeiras provas, íamos contando o passo de cabeça, sem o costume, sem experiência, sem conhecer a prática. Não sabíamos o trabalho e o poder de concentração que isso exigi
a, e depois de duas horas de prova, quando o cansaço batia, o quanto era difícil contar as passadas na cabeça. Mas, fomos lá, conseguimos terminar a prova, um bom sinal.

Mais ‘experientes’, nas provas posteriores, adquirimos um instrumento mecânico de contagem de estoque. Assim, para cada passada, apertando uma espécie de alavanca, registrava-se o número de passadas.

Simples, nada mirabolante em termos de função, nada novo. Afinal, o que se fazia antes era contar os passos de cabeça, agora era apertar e verificar o número. As decisões e o controle das ações permaneciam conosco.

O amigo pergunta: Mas e aí, mudou algo? Mudou! O fato de poder conversar sem perder a contagem ajudou no diálogo e no suporte para que outros membros da equipe pudessem compartilhar informações, sempre tendo em si a figura de decisão na sua função, mas que, ao trocar informações com o contador de passos, puderam validar e conferir suas interpretações.

Agora, nosso próximo passo (sem o trocadilho do tema) é adquirir um instrumento digital que faça essa contagem de passos, necessitando ainda do clique manual, mas que já tenha integração com a planilha de navegação da prova e de velocidade. E, ao contrário do que parece, não vai tirar a função do navegador nem do cronometrista, porque vai apenas emitir um sinal sonoro da velocidade necessária, tornando os cálculos do cronometrista mais precisos e o controle mais fácil, além de seguir as informações do navegador que é quem insere os dados.

No futebol, trago um exemplo recente, respeitando as identidades dos envolvidos. Certo profissional, ao conhecer um produto de fornecimento de informações estratégicas de futebol, disse estar fascinado com a ferramenta, mas que não poderia contar com esses serviços, porque um familiar dele perderia o emprego, já que era o responsável pelas informações de jogo (observação do adversário).

Eis o exemplo que fica, para tornar mais claro, retomando nossa modalidade de aventura.

Se, ao decidir pela aquisição do instrumento para contagem mecânica dos passos, tivéssemos essa mentalidade, e optado por não comprá-lo, com certeza, nas provas futuras, teríamos encontrado dificuldades. Chegaríamos ao final, mas, assim como nas primeiras provas, nas ultimas posições. Ao passo que, o instrumento foi adquirido, nós não demitimos o contador de passo, justamente porque, nele, está a competência de manter uma passada regular e constante, é ele que controla a distância e a precisão do deslocamento por meio da sua consciência corporal e domínio do espaço, e agora, com o instrumento fazendo a contagem mecânica que ele tinha de fazer mentalmente, está mais livre para coordenar e desempenhar as habilidades e competências de sua função, e, por incrível que pareça, vieram alguns pódios nas provas seguintes.

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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