Comprando felicidade

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Há meses atrás, participei de um debate sobre a Copa do Mundo de 2014, promovido pelo jornal Gazeta do Povo, aqui de Curitiba. Participaram, também, dois jornalistas e um professor de urbanismo da UFPR. O evento foi muito bem organizado e bastante interessante. O local estava lotado.

Mas talvez eu não devesse ter ido. Escapei de um linchamento público. De um tribunal de inquisição. Depois do debate, dei uma fuçada na internet para acompanhar a repercussão. Achei um ou outro comentário em alguns blogs pessoais. Todos os que eu li fizeram muito mal ao meu ego. Enalteciam o debate, mas reclamavam da minha opinião.

Pudera. Não fui nada otimista. Deixei bem clara a minha posição: nenhum estudo sério e independente aponta ganhos reais com a realização de mega-eventos esportivos para as localidades que o hospedam. Muito pelo contrário. Perde-se dinheiro. Algumas vezes um pouco. Muitas vezes, muito. No caso, era a Copa do Mundo. Mas poderia ser a Olimpíada.

A reclamação e as críticas a minha pessoa fazem total sentido. Ainda estou à mercê de uma titulação acadêmica. Por mais que esteja fazendo um doutorado, que já se arrasta há quatro anos, ainda não sou um Doutor. Um Dr. Um vírgula PhD. Minha qualificação como fonte de conhecimento ainda depende de um documento entregue e do crivo de uma banca. De fato, sou e represento muito pouca coisa. Não tenho titulação, tampouco ocupo uma posição de autoridade sobre qualquer coisa. A verdade é que qualquer um pode começar um doutorado, enrolar por um tempo e fingir que sabe alguma coisa. Por isso é justo que qualquer palavra ou conhecimento originado da minha pessoa seja visto com desconfiança. Eu mesmo não confio naquilo que falo.

Portanto esqueçamos a minha opinião. Foquemos no conhecimento alheio. Para buscar uma boa fonte de conhecimento, primeiro, é preciso confiar na plataforma em que esse conhecimento é publicado. Peguemos, assim, um grande jornal do Brasil. Aliás, pensemos grande. Pensemos no melhor, ou pelo menos no mais reconhecido jornal do planeta. Fiquemos com o The New York Times. Agora adicionemos um artigo escrito por alguma real autoridade no assunto. Melhor. Juntemos três. Tem-se, assim, três autoridades discutindo um mesmo tema no The New York Times. Acho que serve. Acho que dá pra confiar.

Pois bem. A primeira autoridade é Robert Barney, professor emérito e diretor do Centro de Estudos Olímpicos da University of Western Ontario, no Canadá, e autor de um livro sobre a comercialização das Olimpíadas. A segunda é Andrew Zimbalist, professor de economia do Smith College, uma reconhecida faculdade americana, e autor de diversos artigos e livros sobre economia esportiva, em especial, sobre estádios e outras estruturas. Por fim, a terceira autoridade é Victor Matheson, professor do College of the Holly Cross, uma das mais tradicionais faculdades americanas, e também autor de uma série de artigos sobre o impacto econômico de megaeventos esportivos. Serve? Ô.

E a qual conclusão chega o artigo do The New York Times sobre o impacto econômico das Olimpíadas para a cidade sede com três autoridades renomadas sobre o tema?

À única possível: megaeventos esportivos, como as Olimpíadas e a Copa do Mundo, dificilmente trazem algum impacto econômico positivo para quem os hospeda. A não ser que os investimentos possuam um grande apelo de massa após o fim dos jogos, o que raramente acontece, as estruturas viram “elefantes-brancos”. Isso aconteceu em Montreal, Seul, Barcelona, Atlanta, Sydney, Atenas e vai, eventualmente, acontecer em Pequim. Se uma cidade pretende ser revitalizada economicamente, o que me parece ser uma necessidade do Rio de Janeiro, existem maneiras melhores para se investir o dinheiro.

Mas não basta dizer, claro. É preciso apresentar dados. Vamos a eles:

– A Olimpíada de 1976, em Montreal, deixou a cidade com uma dívida de US$ 2,7 bilhões que só teve a sua última parcela paga em 2005;

– O Comitê Olímpico (CO) de Barcelona ficou empatado, sem ganho e sem dívida, mas o débito público decorrente dos Jogos de 1992 foi de US$ 6,1 bilhões;

– O CO de Atlanta também ficou na mesma situação. Mas, estudos econométricos indicam que houve ganhos insignificantes em vendas no varejo, em ocupações dos hotéis e no tráfego do aeroporto, durante os Jogos;

– O CO de Sydney também empatou, mas estimativas sugerem que o custo de longo prazo dos Jogos foi de US$ 2,2 bilhões, principalmente, porque custa US$ 30 milhões por ano para manter o Estádio Olímpico.

– Os Jogos de 2004, em Atenas, custaram US$ 16 bilhões, dez vezes mais do que o estimado. Os estádios nunca voltaram a ser devidamente utilizados. O custo de manutenção das estruturas no ano seguinte aos Jogos foi de US$ 124 milhões. A dívida acumulada pelo evento foi de, aproximadamente, US$ 75 mil pra cada domicílio no país. Pior, o fluxo de turistas para a cidade diminuiu 10% durante os Jogos, em relação ao mesmo período em outros anos.

Enfim. Está aí. Não sou eu, um pretendente a uma titulação acadêmica, dizendo que a Copa ou a Olimpíada não trazem dinheiro. É gente que entende sobre o que está falando.

Isso não quer dizer que seja ruim hospedar uma Copa ou uma Olimpíada. Claro que não. Muito pelo contrário. É claro que é legal. É claro que esse tipo de coisa traz felicidade para cada cidadão. Mas essa felicidade tem um preço. Que pode ser bem caro. E deixar muita gente bastante infeliz no futuro.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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