Apesar da Copa do Mundo dominar o noticiário geral por cerca de um ou dois meses, ela possui um impacto relativamente pequeno no contexto geral da indústria. Pouca coisa que acontece em uma Copa do Mundo causa um efeito mais significativo no comportamento do negócio do futebol cotidiano. Nessa, por exemplo, a coisa mais impactante foi a decisão leviana da federação italiana em reduzir a cota de jogadores estrangeiros no país por conta da eliminação precoce da seleção no torneio. De acordo com a federação, isso se deu pela escassez de talento italiano no país decorrente do alto número de estrangeiros disputando o campeonato nacional. Obviamente, ela não leva em conta que dois dos quatro maiores provedores de jogadores do futebol europeu, França e Sérvia, também foram eliminados na primeira fase. E que a Alemanha, semifinalista, possui uma das ligas mais abertas ao mercado externo de toda Europa. De qualquer maneira, com a restrição de vagas a estrangeiros na Itália, o mercado de jogadores tem que se ajustar, e isso causa um pequeno efeito na indústria.
Mas nada tão grande quanto dois fatos que aconteceram com um só clube nesse último mês, o Barcelona. Esses sim têm potencial de causar alguns estardalhaços no mundo do futebol e têm sido meio que ignorados por conta de toda demanda de informação da Copa, que gera ícones da superficialidade como o Polvo Paul.
O primeiro deles é que, logo que a Copa começou, o Barcelona realizou eleições para presidente. E o clube, que ganhou tudo o que disputou nesses últimos anos, com um estilo de jogo que causa inveja por todo o planeta e que conta com os jogadores mais requisitados pelo mercado, se viu envolvido em uma disputa política que culminou com a eleição de Sandro Rossel, que fazia oposição ao Laporta. Ou seja, para um clube de futebol que é constituído no formato associativo, não basta encantar a todos e ganhar tudo se você não encanta seus sócios e ganha a eleição. Assim como você pode eventualmente perder tudo e desagradar a todos e ser re-eleito, caso você se contente em agradar quem vota na eleição.
A treta no Barcelona parece ser feia. Primeiro porque a eleição teve contornos de filme de ação, envolvendo espionagem, grampos telefônicos e tudo mais. Ao que parece, a situação era forma por alguns grupos independentes que se uniram para eleger Laporta. Na hora da sucessão, cada grupo tentou emplacar seu próprio candidato, o que diluiu os votos entre os eleitores da situação. Como a oposição só tinha um candidato, ela acabou levando de forma mais tranquila. Mesmo assim, Rossel foi eleito com 61,4%, o que corresponde a um pouco mais de 35.000 votos. Isso quer dizer que mesmo que a situação tivesse só um candidato, Rossel levaria o caneco mesmo assim.
A plataforma eleitoral de Rossel foi baseada na idéia de dar o Barcelona de volta aos seus sócios, uma vez que Laporta era visto como um presidente autoritário e exibicionista. Tamanho egocentrismo talvez seja o responsável por ter levado o Barcelona ao status que desfruta hoje. Mas, como todo caso de sucesso, sempre há um preço a ser pago. E o preço nesse caso foi caro por dois motivos. Primeiro porque custou à situação a perda do controle do clube. E o segundo motivo é tão ou mais importante do que a mudança de poder no clube e, tal qual, também foi ignorado pela imprensa em geral por conta da Copa do Mundo: ao que tudo indica, o Barcelona está na beira da falência.
O maior sinal de complicação financeira em um clube de futebol é o atraso de salário de jogadores, uma vez que esse é o custo mais básico do clube. Outras contas podem atrasar. Salário não. Quando atrasa, é porque todo o resto já está atrasado e não há mais de onde tirar dinheiro. E na terça-feira veio a informação de que o Barcelona teve que pegar 150 milhões de euros emprestados pra pagar salários atrasados. O clube que ganhou tudo e encantou a todos não conseguiu arcar com os altos salários de seus atletas e, principalmente, com os prêmios de conquista de campeonatos e não gerou dinheiro suficiente para arcar com suas despesas. No ano passado, quando o clube realmente ganhou tudo o que podia ganhar, o lucro ficou só em 8 milhões de euros, muito pouco para poder sustentar uma segunda temporada com manutenção de contratos e perda certa de performance.
Mas até aí tudo bem. Poderia ser só um problema de fluxo de caixa, coisa que faz parte do discurso oficial do clube sobre o atraso. Mas o risco do Barcelona está no contrato de transmissão que tem com a Mediapro, que subsidia boa parte da operação do clube. Há duas semanas, a Mediapro abriu um processo de falência e, diferente do Real Madri, o contrato do Barcelona com a empresa não tem proteção bancária. Ou seja, se a Mediapro afundar, o que ainda é incerto, ela leva o Barcelona junto. E se o Barcelona afundar, ele leva um monte de paradigmas de excelência de gestão de clubes de futebol com ele. Inclusive aqueles que norteiam a gestão da maioria dos clubes do Brasil. No fim, o futebol espanhol pode ter muito mais influência na dinâmica da indústria do futebol do que uma eventual conquista da Copa do Mundo.
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