O treinamento técnico: da técnica ao jogador ou do jogador à técnica?

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 Até pouco tempo atrás, quando participava de fóruns de discussão para debater sobre as novas perspectivas da preparação do futebolista, da base ao alto nível competitivo, uma das “barreiras” iniciais para se avançar em discussões, digamos, mais adiantadas, tratava da dimensão física do desempenho do jogador de futebol.

Para os possuidores de raízes mais profundas em um paradigma sustentado pelo conhecimento da preparação desportiva emergente na década de 1960, as propostas atuais, pautadas no desenvolvimento integral e total do jogador de futebol (a partir de meios e métodos integrais e complexos), sempre trouxeram à tona uma desconfiança sobre sua competência e efetividade para o desenvolvimento de capacidades físicas tidas como importantes para o bem jogar futebol.

Tal desconfiança ganhou força especialmente pela distorção feita por alguns treinadores e por alguns pesquisadores das Ciências do Desporto, sobre aquilo que o treinador português José Mourinho e seu inseparável adjunto Rui Faria vinham e vêm fazendo em grandes equipes da Europa.

O fato é que, após muitas e muitas mesas redondas, muitos e muitos debates, muitas avaliações fisiológicas, muitos jogadores formados e muitas vitórias, tanto a comunidade científica, quanto as grandes equipes do futebol mundial, se deram conta, de que a grande dúvida sobre aquilo que propõem as novas reflexões para a preparação do jogador, em busca da excelência, (com relação a sua capacidade de “condicionar fisicamente” o futebolista) estava sanada.

Porém, os caminhos para a sustentação de um novo paradigma, devem, para o bem comum, ser submetidos a uma diversidade de olhares e questões, para testar e atestar, suas possibilidades de contribuição para resolver problemas emergentes (e outros nem tanto).

Então, após quase findado o debate sobre a dimensão física, ganhou evidência aquele que diz respeito a dimensão técnica da preparação do jogador de futebol.

Pois é.

Hoje, nos mesmos fóruns, em que o debate sempre girou em torno de questões, digamos “físicas”, ganham, cada vez mais espaço, discussões que colocam à prova, a capacidade de meios e métodos de treinamento orientados pela complexidade, de promover o bom e melhor desenvolvimento da dimensão técnica daqueles que jogam.

Ora, ainda que seja saudável a discussão a respeito do tema, eu pergunto: de que “dimensão técnica”, se está a falar?

Daquela que é orientada por um “estereótipo” de gesto “perfeito”, em que se estabelece biomecanicamente o que é bom e o que não é, e se tenta “imitar” ou copiar? Ou daquela que é a expressão da autonomia e criatividade do indivíduo, para resolver problemas do jogo quando ele está ou não de posse da bola?

Se estivermos falando da primeira, em que a partir de uma “técnica perfeita” é construído o movimento do jogador, não gastemos tempo com argumentos; não os temos.

A técnica perfeita, ainda que alguns de meus amigos acadêmicos esbravejem, não é um desenho acabado, cheio de detalhes e verdades! Não é algo para ser copiado.

A técnica perfeita é aquela que se expressa circunstancialmente, de acordo com o problema, resolvendo-o.

Ela é individual, não é única para todos. Ela é aberta, não é fechada. Ela se manifesta, não é remotamente controlada. Ela não é gesto por gesto, é ação com significado.

Então se estivermos falando da segunda, não sei como pode ser mais óbvio, que a solução para o desenvolvimento de “habilidades técnicas” de um jogador em jogo, seja sua requisição, manifestação e expressão, no próprio jogo.

A “habilidade técnica”, que se expressa no jogo, melhora e se desenvolve perfeitamente quando se treina de maneira integrada e complexa.

Então, que tal esquecermos, de uma vez por todas, a padronização de gestos. Vamos investir em autonomia, em criatividade, enfim, em liberdade!

Para terminar hoje, trago em seguida, um trecho de um texto, que para os desavisados, pode parecer não ter nada a ver com futebol. Mas se tem a ver com a vida, tem a ver com o futebol, então de tão belo e didático, mesmo para os desavisados, digo que vale muito a leitura.

É o trecho de um texto do professor João Batista Freire, publicado por ele em seu blog.

Transportá-lo ao ensino e aperfeiçoamento no futebol? Esse é um dos exercícios…

“Para mim, o que decide os destinos de um povo, é a educação, para o bem ou para o mal, e em todas as circunstâncias em que ela pode acontecer. Uma pessoa se educa sozinha, por exemplo, quando uma criança brinca desacompanhada, se educa em família, se educa no quartel, na igreja, na escola, em contato com a natureza, vendo televisão, assistindo filmes, etc. Creio que os principais veículos de educação são a família, os meios de comunicação e a escola. A escola é a que reúne o sistema mais formal de educação. E para que nos educamos tanto? É porque a maior parte do que precisamos saber para viver não nasce com a gente, é preciso ser aprendido. De modo que podemos dizer que nos educamos para a vida. Ou seja, não aprendemos História ou Geografia para saber História ou Geografia apenas, mas para ampliar nossas chances na vida. Em princípio, saber viver poderia significar, por exemplo, eliminar animais, árvores e pessoas; muita gente faz isso. Acontece que os humanos são animais fisicamente frágeis; precisam do outro e da natureza para se manter. Portanto, não vale tudo, não vale eliminar o outro, não vale eliminar a natureza. Ser solidário é uma condição de vida. Ser caridoso, ser social, são requisitos básicos para viver. Tudo isso remete para a ideia de que a educação deve ser focada no princípio de aprender a viver, mas a viver eticamente”.

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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