A CBF é a entidade de administração do futebol brasileiro.
Sob sua administração, eclodiu o escândalo de arbitragem, em 2005, que ficou conhecido como “máfia do apito”.
O Poder Judiciário do Estado de São Paulo condenou a CBF, solidariamente, dentre outros réus na ação, a indenizar o montante de R$ 160 milhões à sociedade brasileira, para depositar no Fundo Especial de Reparação de Interesses Difusos Lesados.
Da decisão ainda cabe recurso.
Se a CBF é culpada, se o valor é exorbitante, se o Inter merecia o título do Corinthians… nada disso chama tanto a atenção para o episódio do que a estratégia de defesa protagonizada pelos advogados da entidade.
Algumas pérolas da linha afirmam que o “futebol é desprovido de interesse social relevante”, que é o “ópio do povo”, que ” paixão nacional não passa de slogan publicitário para vender cerveja e receptor de TV, que não corresponde à realidade”, e que o “escândalo foi um acontecimento “banal, irrelevante, do qual quase ninguém se lembra”.
Inúmeras ofensas à racionalidade, bom senso e competência técnica foram cometidas nessa linha de defesa, sendo que a maior delas foi acreditar que o Poder Judiciário brasileiro é um apêndice da própria CBF, tal qual foi, durante muito tempo, o TJD da entidade.
Também demonstram desconhecimento e/ou mau uso de argumentos jurídico-esportivos, como aqueles originários da Constituição Federal, da Lei Pelé, dentre outras fontes normativas.
Uma leitura básica e atenta de um advogado, preocupado em construir a defesa de seu cliente sem afrontar o bom senso de um homem médio – o que dizer então de um Juiz que deve ser convencido do contrário – levaria aos tópicos a seguir.
Segundo a Lei 9615/98, a Lei Pelé, no artigo 2º, “o desporto, como direito individual, tem como base os princípios:
III – da democratização, garantido em condições de acesso às atividades desportivas sem quaisquer distinções ou formas de discriminação;
V – do direito social, caracterizado pelo dever do Estado em fomentar as práticas desportivas formais e não-formais;
VII – da identidade nacional, refletido na proteção e incentivo às manifestações desportivas de criação nacional;
VIII – da educação, voltado para o desenvolvimento integral do homem como ser autônomo e participante, e fomentado por meio da prioridade dos recursos públicos ao desporto educacional;
IX – da qualidade, assegurado pela valorização dos resultados desportivos, educativos e dos relacionados à cidadania e ao desenvolvimento físico e moral;
XI – da segurança, propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física, mental ou sensorial;
XII – da eficiência, obtido por meio do estímulo à competência desportiva e administrativa.”
Ainda, sobre a natureza e as finalidades do desporto:
“Art. 3o O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações:
I – desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer;
II – desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente;
III – desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.”
Finalmente, e em caráter explícito:
“§ 2o A organização desportiva do País, fundada na liberdade de associação, integra o patrimônio cultural brasileiro e é considerada de elevado interesse social, inclusive para os fins do disposto nos incisos I e III do art. 5o da Lei Complementar no 75, de 20 de maio de 1993. (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003).”
Usando linguagem jurídica corrente, o grifo acima é nosso.
Para, enfaticamente, afirmar que, se eu fosse advogado da CBF, depois da repercussão negativa do meu trabalho e da condenação em R$ 160 milhões, somados à afronta ao texto claro da Lei Pelé em destaque, mudaria de profissão.
Por imprudência, imperícia e negligência, todas juntas.
Como fez o árbitro Edilson Pereira de Carvalho, condenado na mesma ação que a CBF.
Ele trabalha como garçom em Jacareí (SP).
Eu iria bem mais longe do que Jacareí. E, no carnaval, pra passar despercebido.
Mas levaria a CBF, minha cliente, junto.
Deixaria o futebol nacional pra quem sabe que ele tem elevado interesse social.
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