Desde que a equipe do Santos FC conquistou a “Taça Libertadores da América”, o Brasil do futebol passou a alimentar e dar fermento a uma expectativa sobre o jogo (que até então era a “provável final do Mundial de Clubes”) entre a equipe brasileira e o time do Barcelona.
Para os que já, por algum tempo, vinham acompanhando os jogos da equipe catalã, talvez o maior interesse – além é claro de assistir a um espetáculo de futebol – estivesse concentrado em uma imaginativa dúvida: será que o Santos conseguiria, com sua velocidade e futebol envolvente apresentado no Brasil, superar o FC Barcelona? (afinal, Neymar “estava voando” – ficaria difícil para os “lentos” (lentos?) Puyol e Piqué).
Para os apaixonados por futebol, que conheciam pouco o Barcelona, e tinham acesso apenas a informações trazidas pela “mídia do grande público”, talvez a maior expectativa estivesse em ver o Santos “atropelar” o time catalão – afinal o Barcelona só parecia bom por que enfrentava equipes fracas no seu campeonato nacional (o único bom desafio era o Real Madrid FC), e além do mais, não haviam ainda se deparado com uma equipe tão talentosa, tão veloz, tão brasileira.
Pois bem. Chegou o dia do jogo, e vimos o que vimos.
O Barcelona não tomou conhecimento do Santos.
No dia anterior a partida, as declarações dos jogadores da equipe catalã respondendo aos jornalistas brasileiros sobre como conseguiriam “parar” Neymar, deram bem o tom do que seria o jogo: “faremos o que sempre fazemos, jogaremos como Barcelona – se tivermos a bola, o Neymar não vai jogar”.
Arrogância? Não, apenas uma boa noção sobre a realidade.
Dois dias antes do jogo, mais noção sobre realidade.
Quando perguntado na entrevista coletiva sobre o por quê de não ter ido assistir no estádio ao jogo do seu próximo adversário (o Santos), Pep Guardiola sorrriu, deu um ou dois motivos, e depois deu luz ao aparente (e não real) menosprezo pelo adversário brasileiro, dizendo que havia uma equipe de profissionais do Barcelona (equipe do departamento de análise de desempenho do clube) captando imagens e coletando informações sobre Santos no jogo contra a equipe do Kashiwa (e que, então, ele não precisava estar lá pessoalmente).
Preguiça? Arrogância? Menosprezo? Não, apenas uma boa noção sobre a realidade.
O jogo foi o que foi.
Culpas e culpados não pararam e não param de surgir.
Sobrou para o treinador santista, sobrou para Neymar, sobrou para Ganso, sobrou para os treinadores das categorias de base no Brasil (que não sabem formar!?)…
Senhores, não nos deixemos iludir.
Claro, a responsabilidade precisa ser dividida entre muitas pessoas (porque vencer o Barcelona é possível, sim! – e então é preciso entender como). Mas que não percamos de vista o principal: os clubes não podem ser reféns de seus elementos constituintes (jogadores, treinadores, etc.) ou de uma falta de conhecimento ou preparo (em qualquer nível de sua organização).
Jogadores, treinadores ou empresários, por exemplo, são elementos importantes do universo fantástico e particular que é o futebol. O clube porém deve ser, e é maior do que qualquer outra coisa.
O que quero dizer com isso?
Quero dizer que antes de uma exaltação à posse de bola, ao jogo bonito e ao talento individual dos jogadores do Barcelona, deveríamos, nós, entendermos toda a mudança estrutural e filosófica que sustenta a organização de dentro e de fora do clube catalão.
Só para que se tenha uma ideia, em 2010, um de seus treinadores das categorias de base (Sergi Barjuan) disse que se um talentoso jogador, com potencial para ser tão bom quanto o Messi, não cumprir com suas obrigações escolares e com normas de conduta do clube, será convidado a sair do Barcelona.
“Confiamos no nosso trabalho de formação e sabemos bem quais valores queremos construir e transmitir”, disse ele.
Antes da Copa do Mundo de 2010, o ex-atleta Roque Jr., participava de um programa esportivo na TV, e foi, quase unanimemente, combatido, quando disse que a forma de jogar e o conhecimento sobre o jogo, de jogadores e treinadores no Brasil, estava aquém dos europeus de forma geral, e que quando os brasileiros iam jogar na Europa tomavam um banho de informação.
Disse que precisávamos aprender a desenvolver o jogador brasileiro aproveitando seu talento e capacidade de improvisar.
E de novo: isso não é só uma questão de “posse de bola”, de “jogo bonito”, de “talento individual”.
Temos que transcender meios, métodos, modelos – superar paradigmas…
Precisamos nos desprender da ideia de que nossas brasileiras verdades são as verdadeiras verdades quando o assunto é o futebol.
O Barcelona não venceu a final do Mundial de Clubes da Fifa no dia do jogo contra o Santos. Isso foi bem antes, e é bom que nossos olhos se abram para o fato…
Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br
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