O ABC do UFC: aspectos jurídicos

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O mundo tem presenciado um estrondoso crescimento do UFC. NO Brasil não é diferente. Após transmissão em TV aberta pela RedeTV, a Rede Globo de Televisão adquiriu os direitos e está transmitindo o evento com seu primeiro time de esportes, inclusive, com narração do polêmico Galvão Bueno que imediatamente criou o bordão “gladiadores do terceiro milênio” para definir os atletas.

O interesse da Globo não foi sem motivos: a transmissão do UFC 134 pela RedeTV em agosto de 2011 rendeu à emissora um inédito primeiro lugar no IBOPE.

O UFC remete à sigla “Ultimate Fighting Championchip” e corresponde a uma espécie de liga de lutadores de várias artes marciais, o que corresponde a uma especialidade da modalidade arte marcial denominada MMA (Artes Marciais Mistas), tal como o futebol de salão é uma especialidade da modalidade futebol.

Esta liga surgiu no início dos anos 1990 quando o brasileiro Rorion Gracie, no intuito de divulgar a arte marcial, o “brazilian jiu-jitsu”, inventada pelo seu pai, Hélio Gracie, convidava amigos para assistir às suas lutas para provar que era imbatível.

A competição começou a tomar corpo quando o publicitário Art Davie, aluno de Rorion Gracie, juntamente com o diretor de cinema John Milius (de Apocalipse Now) associaram-se ao lutador e colocaram anúncios em periódicos convocando atletas das mais variadas modalidades de artes marciais. Assim, com oito participantes, em 12 de novembro de 1993, nascia em Denver o UFC.

O que era para se ater a uma edição passou a contar com outras que, no começo, ocorriam sem muitas regras (combates sem luvas, por exemplo). Diante disso, alguns Estados americanos passaram a proibir o evento, o que quase extinguiu o UFC; até que em 2001, o empresário Dana White, juntamente com dois investidores, comprou a marca e reinventou esta liga de MMA.

Atualmente, o UFC é uma das marcas esportivas mais valiosas do mundo. Tanto que, em 2011, um xeque árabe comprou 10% dos direitos por 200 milhões de dólares, preço pago pela integralidade do evento em 2001. Transmitido para 150 países e território e em 22 línguas, o UFC possui uma audiência de cerca de 597 milhões de famílias.

Apesar de chamado de “vale-tudo”, atualmente o UFC possui regras gerais, quais sejam: obrigatoriedade do uso de luvas de dedo aberto, de coquilha (protetor genital) e protetor bucal e possibilidade de se usar sapatilhas, protetores para os joelhos e cotovelos e bandagem para tornozelos e punhos.

Além disso, houve divisão em sete categorias de acordo com o peso e há uma série de proibições, como dar cabeçada, puxar os cabelos, colocar o dedo nos olhos ou ter conduta antiesportiva que cause dano ao oponente.

Cada evento do UFC tem cerca de 10 lutas, sendo uma delas que pode valer um cinturão, a principal. Cada luta tem três rounds de cinco minutos com um de intervalo, exceto a luta principal que pode ter cinco rounds.

Há quem entenda se tratar de um esporte muito violento, porém, sob o ponto de vista jurídico, a violência corresponde a exercício regular de direito, eis que as regras da competição não são vedadas em lei e os participantes anuem a elas, ou seja, exponham-se aos riscos.

Portanto, o Código Penal Brasileiro prevê o exercício regular de um direito como excludente da ilicitude, tendo em vista que se uma conduta é admitida por outro ramo do Direito, não pode ser objeto de punição pela legislação criminal.

Destarte, a doutrina entende que lesões são componentes naturais de determinados esportes, não havendo, em princípio, responsabilidade criminal, uma vez que se trata de ter sido praticado no exercício regular de um direito. Assim se manifesta, majoritariamente, a doutrina, senão vejamos:
 

“Em certos tipos de esportes regulamentados (futebol, boxe, judô, etc.) podem resultar lesões nos contendores. Estarão elas compreendidas nesta causa de exclusão, desde que obedecidas as regras próprias do esporte que disputavam”.( Código Penal Comentado / Celso Delmanto – 7 ed. – Rio de Janeiro: Renovar, 2007.)

Deve-se considerar que a Constituição da República determina ser dever do Estado incentivar as práticas desportivas (Art. 217, caput), assim, a imputação de responsabilidade criminal teria o condão de neutralizar a intenção do legislador constitucional, conforme ressalta o renomado penalista Julio Fabbrini Mirabete.
 

“Há esportes que podem provocar danos à integridade corporal ou à vida (boxe, luta livre, futebol, etc.). Havendo lesões ou morte, não ocorrerá crime por ter o agente atuado em exercício regular de direito. O Estado autoriza, regularmente, e até incentiva a prática de esportes, socialmente úteis, não podendo punir aqueles que, exercitando um direito, causam dano”.( Manual de direito penal, volume 1: parte gral, arts. 1° a 120 do CP / Julio Fabbrini Mirabete, Renato N. Fabbrini. – 24. ed. Rev. e atual. até 31 de dezembro de 2006. – São Paulo: Atlas, 2007)

Para deslinde, cita-se o professor Álvaro Melo Filho:
 

Cumpre, aqui, saber se os golpes e lesões causadas decorreram, ou não, do exercício regular de determinado desporto e se houve, ou não, observância de suas regras de jogo para que se possa aferir responsabilidade jurídica. Induvidosamente o risco é inerente à práxis desportiva. (…). Em suma, a fronteira entre a impunidade e a punibilidade na práxis desportiva decorre da observância das regras de jogo que se colocam como limite para haver, ou não, a punibilidade, sendo apenáveis as condutas que causem lesão em face do menosprezo ou desrespeito às regras da respectiva modalidade desportiva (FILHO, Álvaro Melo. Artigo científico: CBJD 2010: reequilíbrio do jogo jus-desportivo. Disponível em: . Acesso em: 25 mar 2011) (…)

Assim, a prática do esporte, no caso, do MMA no UFC, nos estritos termos da disciplina que o regulamenta, não constitui crime, bem como deve ser protegida pelo Estado, nos termos da Constituição Brasileira de 1988.

Ante o exposto, sob o ponto de vista jurídico, conclui-se que o UFC constitui uma Liga da Modalidade de Arte Marcial, especialidade MMA, ou seja, Artes Marciais Mistas, e os golpes dos atletas realizados de acordo com o regulamento da modalidade e da competição são considerados exercício regular do direito, e não crimes.

Para interagir com o autor: gustavo@universidadedofutebol.com.br 

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