O que a demissão de Mano Menezes ensina

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Cursos de jornalismo formam jornalistas. Entretanto, nem todos compreendem a abrangência que o segmento tem. Muitos preparam estudantes apenas para o trabalho em redações, e isso pode gerar problemas quando o desafio imposto a esse grupo de profissionais é o extremo oposto. Crises como a demissão de Mano Menezes, que deixou na última sexta-feira a seleção brasileira de futebol, provam isso.

Preâmbulo necessário: há vários aspectos discutíveis no trabalho de Mano Menezes, que nunca foi o técnico dos meus sonhos para a seleção brasileira. Mas a demissão dele, da forma que aconteceu, é um total absurdo.

Mano Menezes assumiu a seleção brasileira em 2010, depois da passagem de Dunga, cuja visão sobre futebol é radicalmente diferente. A equipe nacional tinha um elenco envelhecido, com jogadores que não aguentariam um novo ciclo. Além disso, a proposta de jogo do time era baseada em ocupação de espaços e contragolpes em velocidade.

Outro ponto necessário: há anos, como diz recorrentemente o craque Tostão, a aposta em contra-ataques é a mais explorada no futebol brasileiro. Times do país baseiam o jogo no binômio formado por marcação forte em pontos específicos do campo e transição em alta velocidade. Quando acertam, pegam a defesa adversária desestruturada e com menos jogadores atrás da linha da bola. Quando erram, transformam o jogo num amontoado de chutões.

Ricardo Teixeira, presidente da CBF na época, impôs dois desafios a Mano Menezes: renovar a seleção brasileira e romper com o estilo de jogo imposto por Dunga. O Brasil precisava voltar a ser o time do espetáculo, da virtude técnica e do controle do jogo, atributos que haviam sido tomados pelo Barcelona e pela seleção espanhola.

No período em que comandou a seleção, Mano Menezes conseguiu construir uma base e acompanhou o amadurecimento precoce de jogadores como Neymar e Oscar, ambos de 20 anos. Também estabeleceu um padrão diferente, com mais posse de bola, marcação sobre a saída de bola do adversário e menos transição direta entre defesa e ataque.

É claro que houve problemas. Mano Menezes não venceu nenhum adversário de peso. A seleção brasileira caiu assustadoramente no ranking da Fifa. O técnico não conseguiu encontrar soluções para setores importantes, como o gol, o lado direito do ataque e a camisa 9. Houve várias convocações contraditórias, que alimentaram boatos sobre favorecimento de empresários e troca de favores.

Porém, não tenho convicção de que Brasil teria evoluído mais se estivesse nas mãos de outro técnico. Em primeiro lugar porque não há nenhum treinador com atributos tão superiores aos de Mano Menezes. Também porque há uma crise muito maior, que abrange a geração não consolidada, a formação deficiente no futebol nacional e a gestão inadequada da seleção.

E todas essas discussões foram subjugadas na troca de comando da seleção brasileira. Mano Menezes não foi demitido por questões técnicas ou por uma reprovação ao projeto dele. Além disso, a mudança não é parte de uma reformulação no modelo de trabalho da equipe nacional.

A demissão de Mano Menezes é apenas um episódio em um enorme jogo de interesses na CBF. E o pior de tudo, nesse caso, é que a comunicação destrambelhada aumentou consideravelmente o tamanho da celeuma.

Porque a demissão de um profissional tão relevante em uma estrutura deve ser anunciada sempre pelo líder, presidente ou dono. Isso é básico na gestão de crise de qualquer empresa ou entidade. A CBF não seguiu essa cartilha.

Pior: o único a se pronunciar sobre a queda do técnico foi o diretor de seleções da CBF, Andres Sanchez, que escancarou ter sido contra a decisão. O ex-presidente do Corinthians, que pode ser o próximo a deixar o cargo, deu uma entrevista coletiva na tarde de sexta-feira e confirmou a saída de Mano Menezes. O bate-papo com jornalistas foi marcado pela insatisfação latente do dirigente, que claramente não foi preparado para isso.

Não houve planejamento para comunicar a saída de Mano Menezes. Tampouco houve planejamento para preparar Andres Sanchez antes da entrevista coletiva. Joga-se tudo isso em um mesmo caldeirão, e o resultado é uma crise muito maior do que deveria ser.

Uma crise tão exacerbada que gera até um questionamento de teoria da conspiração. As ações foram atrapalhadas. Mas será que foram assim por falta de tato, por falta de conhecimento profissional ou por mais uma manobra política?

Independentemente disso, o que nos sobra é discutir a participação da comunicação. Porque os jornalistas tiveram de noticiar as mudanças e analisar o novo cenário da seleção brasileira, mas a relação da CBF com isso também passa pelo trabalho de profissionais dessa seara.

No começo do texto eu disse que a formação de profissionais de comunicação no Brasil olha muito mais para o trabalho em redações. E o que fazer quando há um cenário como esse, com tanta ebulição? A indefinição é agravada pela postura dos dirigentes do esporte nacional, que não são tão abertos a ouvir. É muito mais fácil domar ou preparar um presidente de empresa, por exemplo.

Mas ao profissional de comunicação, isso à parte, cabe trabalhar. Não há como saber se a CBF não se preparou para a crise ou se os dirigentes decidiram ignorar a preparação, mas é possível apontar uma série de erros em todo o processo.

Assim como havia acontecido com o Palmeiras durante todo o processo que culminou com o rebaixamento, a CBF desperdiçou uma chance de aproveitar um momento ruim para se aproximar do público. A saída do técnico não foi sequer uma medida populista.

Em qualquer crise, o primeiro passo é definir quem serão os porta-vozes ou quem será o porta-voz. Isso feito, é fundamental preparar esses personagens. Jogá-los à imprensa sem o devido planejamento é um convite a escorregões como o que aconteceu com Sanchez na sexta-feira.

Outro aspecto relevante é a blindagem. Desde a demissão de Mano Menezes, pulularam notícias sobre bastidores da CBF e o cenário que motivou a queda do técnico. Em qualquer crise, é fundamental que empresas ou instituições evitem isso.

Em nota oficial, a CBF disse que o nome do novo técnico deve ser anunciado apenas em janeiro do ano que vem. O período só aumentará as especulações, e isso também ampliará a crise.

O que a demissão de Mano Menezes ensina é que silêncio, a falta de preparação e ausência de blindagem não combinam com momentos de crise. Ou até combinam, mas só se você estiver do outro lado.

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

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