Como presidente do Real Madrid, Florentino Pérez já despediu do seu clube vários treinadores: o Vicente del Bosque, o Carlos Queirós, o Camacho, o Garcia Remón, o Wanderley Luxemburgo e o Pellegrini. Desta feita, foi o José Mourinho, para mim, o melhor treinador do mundo, que foi despedido também. Foram estas as palavras de Florentino, segundo a Marca, de 21 de Maio de 2013: “Mou me dijo que era mejor irse y yo lo comparto, es lo adecuado”. Mas acrescentou: “Con él (Mourinho), hemos dado un importante salto deportivo y competitivo y le deseamos suerte en su nueva etapa”.
Em entrevista à televisão portuguesa, o Special One afirmou: “Considero esta minha temporada, de 2012/2013, no Real Madrid, a mais infeliz de todas as que já levo como treinador de futebol”.
Ora, precisamente nesta temporada, de 2012/2013, o Real Madrid venceu a Supertaça, classificou-se em segundo lugar na Liga e na Copa do Rei e chegou às meias-finais da Liga dos Campeões. Para José Mourinho, tudo isto é muito pouco e vai procurar fazer melhor, noutro clube e noutro país. Embora todos os seus erros, todas as suas imperfeições (ele é um ser humano, nada mais do que isso), torna-se evidente que ele exige muito de si mesmo e, por isso, quer voltar a fazer melhor, ciente de que é mesmo capaz de mais êxitos, iguais aos que ele tem, no seu currículo. Ele faz suas as palavras de Florentino Pérez: “La temporada no es suficiente para el nível de exigencia de Mou e del Madrid”.
Quais os motivos do fracasso, se o treinador, os jogadores e os métodos eram precisamente os mesmos da época anterior, em que o Madrid foi o campeão de Espanha? Porque o futebol alemão é, hoje, o melhor da Europa (para mim, a Alemanha é o país favorito à vitória, no Mundial do Brasil) e porque a liderança de José Mourinho entrou de ser contestada, no seio da equipa madridista, pois que, nela, há jogadores mais importantes do que o treinador, qualquer que ele seja. Iker Casillas e Sérgio Ramos são campeões da Europa e do Mundo, afirmam-se madridistas convictos, Vicente del Bosque considera-os indiscutíveis na seleção de Espanha – se os resultados desportivos não ajudam, o Iker e o Sérgio passam a ter mais importância, entre os aficionados, do Real que o treinador e os seus métodos de treino.
No futebol, quem não ganha, não sabe: é assim que pensa o senso comum. “A Verdade é o Todo” o Hegel o disse; o Mourinho já foi campeão em Portugal, Inglaterra, Itália e Espanha e já venceu uma Taça da Europa e duas Ligas dos Campeões – mas isso pouco interessa a quem precisa das vitórias do seu clube, para superar as frustrações do dia-a-dia.
O Real Madrid foi proclamado, com pompa e circunstância, o maior clube mundial do século XX. Muitos madridistas de fracos recursos económico-financeiros, vítimas da crise que assola a Europa do Sul, precisam, a cada instante, de um “Madrid” forte, invencível, dominador, para esquecerem as dificuldades, que parecem insuperáveis, da vida económico-política.
Sim, é verdade que há madridistas da “alta sociedade” que, ao nível do futebol, pensam como uma pessoa de mais baixa condição. Mas também têm frustrações, como qualquer ser humano! E o futebol também, para eles, é remédio. Para uns e para outros, a sabedoria é o melhor dos remédios – a sabedoria que “é o esforço por concordar as próprias exigências emocionais e morais, com a ordem profunda do Universo”. E, no Universo, nem sempre se ganha, nem sempre se perde e alguns até perdem menos do que os outros (como o José Mourinho). Ganhar sempre, é impossível – até para o ex-treinador do Real Madrid, José Mourinho!
Em Portugal, são também muitas as frustrações, entre os benfiquistas. Nos três últimos jogos, perderam o campeonato e, como habitualmente, o F.C.Porto voltou a ser campeão! Em Portugal, o futebol define-se deste modo: é um desporto em que jogam onze contra onze e, no fim, o F.C.Porto ganha! Por quê? Porque o líder nunca é o treinador, é o presidente do clube, Jorge Nuno Pinto da Costa que, de há trinta anos até hoje, estabeleceu normas que permitiram grandes vitórias e sólida unidade e por isso foram aceites e são vividas, intelectual e emocionalmente, por todos, treinadores e jogadores, como sinal certo de altos desempenhos.
Quando recebeu o prémio Príncipe de Asturias, o neurologista português, António Damásio, afirmou ao El País, de 21 de Outubro de 2005: “La toma de decisiones correctas exige tres elementos: emoción, conocimiento y razón, que deben manejarse en equilibrio”. Para um clube vitorioso, não basta a competência do treinador – o clube tem que ser competente, todo ele, desde o presidente ao mais humilde funcionário. E assim nasce e se perpetua uma cultura de vitória. Como a que distingue o F.C.Porto.
Poderia até dizer que o F.C.Porto é uma equipa emocionalmente inteligente. E não só fisicamente…
*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.
Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.
Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.
Para interagir com o autor: manuelsergio@universidadedofutebol.com.br