Oportunismo

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Antes da Copa das Confederações, a seleção brasileira não estava pronta. Luiz Felipe Scolari, quando contratado para substituir Mano Menezes no comando da equipe nacional, era ultrapassado e pouco eficaz na estruturação tática de seus times. Poucos dias e muitos resultados positivos depois, tudo mudou radicalmente. É muito difícil analisar esporte sem ser oportunista.

Em outros segmentos, é clara a ideia de que não se pode analisar uma obra antes que ela esteja pronta. Falar sobre as partes sem ter uma noção exata do todo pode comprometer absurdamente a avaliação. Seria como julgar um filme por cenas isoladas.

No esporte, contudo, como definir em que ponto um trabalho está realmente concluído? Em uma seleção, pode-se eleger a Copa do Mundo como um norte nesse aspecto. No entanto, trabalhos recentes de Alemanha e Espanha, unidos pelo longo prazo e pela proposta de incutir no país uma filosofia diferente de jogo, não foram voltados apenas a um torneio ou a um quadriênio.

Julgar o trabalho do técnico Vicente del Bosque à frente da Espanha apenas pelo que ele fez na Copa do Mundo de 2010 seria um reducionismo. A despeito de ter sido campeão na África do Sul, ele realizou muito mais do que aquela campanha: montou um time e instituiu parâmetros para cada setor e para o todo.

Da mesma forma, julgar o atual estágio do futebol espanhol pelo trabalho de Del Bosque seria raso. O treinador definiu um perfil para a equipe nacional, mas foi beneficiado por uma cultura disseminada desde as categorias de base. A seleção eliminada nas quartas de final do Mundial sub-20 deste ano é um exemplo disso. Apesar de não ter vencido o campeonato, mostrou características que são caras aos profissionais da Espanha, como o toque de bola e a marcação pressão.

Na semana passada, elogiei Scolari por ser um comunicador extremamente eficiente. Mas creditar apenas à comunicação a evolução que ele promoveu na seleção brasileira seria cometer com ele uma enorme injustiça. Como escreveu o mestre Tostão na coluna dominical da "Folha de S.Paulo", ele criou um time compactado, com transição rápida e marcação sobre a saída de bola do adversário. São conceitos modernos, que mostram que o técnico não parou no tempo.

Ainda assim, Scolari comanda uma seleção em que as maiores referências técnicas são Neymar, nascido em 1992, e Oscar, que é de 1991. Mesmo entre os mais experientes, poucos têm vivência do que é uma Copa do Mundo.

E nada disso teria sido considerado se a seleção de Scolari tivesse decepcionado na Copa das Confederações deste ano. O time foi campeão, e isso valorizou a montagem e o amadurecimento do time.

O oportunismo é o maior risco em qualquer análise sobre esporte. Mais até do que a seleção brasileira, um exemplo claro disso foi dado no último sábado, em uma luta do UFC, maior circuito de artes marciais mistas (MMA) do planeta. O brasileiro Anderson Silva, que defendia o cinturão, dançou na frente do norte-americano Chris Weidman. Provocou, gesticulou e fez de tudo para desrespeitar o rival no octógono, e acabou nocauteado no segundo assalto.

A derrota de Silva abriu espaço para uma saraivada de críticas. Em análises publicadas em redes sociais, foram incontáveis os adjetivos como "arrogante" "prepotente".

O brasileiro não criou no sábado esse estilo de lutar. Ele pode ter exacerbado a prática do deboche, mas fez isso em nome da repercussão que o transformou em um fenômeno do MMA.

A análise aqui não é técnica, motivacional ou algo do tipo. Não considerei sequer as notícias sobre possíveis armações na luta. Meu ponto é apenas de postura: se tivesse vencido, a despeito do comportamento, Silva não teria sido classificado como um monstro desprovido de humildade.

O que debelou a imagem do brasileiro não foi a postura, mas o revés. Esse é o problema das análises oportunistas.

É o que acontece também em alguns times da elite do futebol brasileiro. O São Paulo, por exemplo, tem um elenco muito superior aos resultados obtidos na atual temporada. A dúvida é: como avaliar isso na perspectiva correta?

Procurar culpados e fazer avaliações individuais de jogadores, estafe técnico ou diretoria é ver apenas as partes. Nesse momento, é fundamental uma abordagem sistêmica do problema. Também é importante que os fatos sejam colocados no contexto correto.

Nesse caso, o esporte segue exatamente o que acontece no mundo corporativo. Uma empresa não pode avaliar apenas os números de uma fase do processo. Saber como estão as engrenagens é essencial para o sucesso, mas o mais relevante aqui é analisar a interação entre as peças.

Isso vale, no esporte, para dirigentes, treinadores e comunicadores. Em todas as pontas do processo, sempre há pessoas que se contentam em medir resultados e números. O grande desafio é colocar esses dados no contexto correto.

É admitir que a seleção brasileira de Scolari evoluiu e que se apresentou bem na Copa das Confederações. É reconhecer que jogadores melhoraram individualmente e que isso tem relação direta com o desempenho do time. É não ceder à tentação de inferir que o elenco e a equipe estão prontos para a Copa do Mundo de 2014.

Também é reconhecer que Anderson Silva foi derrotado e que exagerou nas provocações. Mas é ver os méritos de Weidman, que se aproveitou disso, e entender que o brasileiro não forjou a condição de ídolo usando exatamente esse padrão de comportamento.

E por fim, só o correto distanciamento pode mostrar quais são os motivos de uma crise técnica de um time. Sobretudo porque isso pode ser apenas reflexo do jogo.

Ferran Soriano, ex-dirigente do Barcelona, escreveu um livro chamado "A bola não entra por acaso". A obra transformou-se em símbolo de inovação e mudanças de procedimento na gestão do futebol mundial.

Em todos os setores, o desafio é entender, então, por que entra a bola. Soriano conta que uma das medidas que a diretoria do Barcelona tomou na época em que ele trabalhava no clube foi proibir que qualquer decisão fosse tomada aos domingos.

A ideia era pensar apenas na segunda-feira, horas depois do jogo do fim de semana. Só assim o resultado poderia ser colocado na perspectiva correta.

Outro ponto relevante para a mudança de paradigma de gestão do Barcelona foi a definição de objetivos. Sem saber quais são os fins é impossível produzir qualquer análise – afinal, volto ao início do texto: como saber quando o trabalho está concluído?

Aí entra o maior risco do oportunista. Análises desconectadas da linha do tempo podem ser eficientes no momento, mas são mais frágeis. Um sábio amigo meu costuma dizer que o futebol, assim como a vida, é exatamente como uma roda gigante…

 

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

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