Estreia é algo tão importante e difícil que deveria ser a última coisa que a gente faz na vida. Como, por definição, não é possível, que ao menos a gente tivesse noção do que iria acontecer depois.
Mas a antevisão é para poucos. É coisa de craque.
Vi, vivi e convivi com alguns craques em vários ofícios. Sou filho de uma mãe que é craque em família. De um pai que foi craque na minha matéria. Tenho um irmão craque em aviação. Tenho filhos que são craques – e não só por que todo o filho é craque. Minha mulher é craque no amor.
Não são muitos craques na vida. No ofício, também. Trabalhei com alguns. Ainda trabalho. E todos eles têm a antevisão dos fatos, dos feitos, dos jeitos, das coisas. Eles enxergam antes. Eles veem além. Eles sentem antes. Eles sacam primeiro. Eles entendem no ato. Eles fazem antes da obra feita.
Alguns pensam, agem, executam, opinam. Poucos falam. Raros narram.
Um antecipa. Ninguém no rádio como ele.
Poucos craques de microfones são como ele. Raros do mesmo nível com a bola rolando, e até um pouco depois de ela rolar.
Mas antes de a pelota ultrapassar a linha de meta, ele já gritou gol. Já sentiu gol. Já cheirou gol. Já narrou gol. O gol é meta dele. É objetivo como meta. Como ele é objetivo no trabalho.
Tem craque que nasceu para fazer gol. Tem um craque que nasceu para narrar gol. E tudo que antecede ao gol. E tudo que nasce depois do gol.
Por que ele é o gol. Ou como bem definiu outro craque mineiro lá de Muzambinho: ele é o pai do gol. De todos eles que só ele viu nascendo antes de eles existirem.
Sei disso como ouvinte há 38 anos. Conheço cada vez mais há dez anos ao meu lado, em estádios e estúdios. Já vi narrando gols que não tinham acontecido antes de eles serem gols. Por que, como craque, sabe que serão.
Ele erra? Não. O gol é que é errado. O gol é que não sai. O atacante é que perde gol feito. Ele não. Ele canta o gol feito. Ele enfeita o gol marcado. Ele solta a voz, como um dia soltou para desentalar o grito do palmeirense em jejum, em 1993. Como já havia feito com o corintiano, em 1977. Como fez com o Brasil tetra, com o Brasil penta. Com outras grandes conquistas, com algumas pequenas derrotas.
Ele cobra muito de todos. Dentro e fora de campo. Por que se exige demais. Como Pelé, e ele é Pelé para narrar em rádio, ele se concentra antes de cada partida. Ele sonha com os gols. E os gols se transformarm em realidade. Ainda mais real no relato preciso, conciso, direto. Objetivo. Ele narra o que é belo e o que é feio. O que é fato e o que é feito. Não floreia – narra.
Ele é concreto como um gol que é ou não é. Ele é. Ele é o Zé.
Pai do gol que em 20 de julho de 1963, menino de tudo, foi até um canto do estádio da rua Desenbargador Alberto Luz narrar Dalton marcar o único gol para o time da casa de Lavras, ainda hoje seu lar. Olímpica venceu o Bragantino com aquele gol isolado.
Um jogo que poucos lembram, se é que alguém se recorda. Um gol que ele não lembra como foi, que estreia muitas vezes é assim. Mas um gol que o rádio, o jornalismo e o futebol brasileiro não podem esquecer. Podemos até florear, inventar, extrapolar, dizer que foi isso, que foi aquilo o lance, o gol, tudo.
Mas em homenagem ao jovem locutor que estreava em Minas, para depois ganhar o rádio do Rio, de Brasília e de São Paulo, para não falar em todo o Brasil, o futebol ganhava alguém capaz para narrar o que é um drible de Mané, um passe de Rivellino, uma ginga de Neymar, um gol de Pelé. Um gol narrado pelo Zé.
Lances de craques e de gênios de várias gerações. Todos eles com a mesma categoria para narrar antes – GOL! Dele. Do Zé. E QUE GOLAÇO!
Drummond falava de um mineiro como ele que fez mais de mil gols. “Difícil não é fazer 1000 gols como Pelé. Difícil é fazer um gol como Pelé”. O poeta falaria fácil de outro mineiro de Itumirim que deixa tudo menos complicado: “Difícil não é narrar milhares de gols pela vida. Impossível é relatar um gol como faz o José Silvério”.
Em nome dos ouvintes do Brasil que você saúda com sua saúde de ferro há 50 anos, em nome dos colegas com que você multiplica as jornadas nesse período todo, eu só posso dizer que, assim como você fala para os seus filhos e netos, seus amores, tudo que você os ama, nós que temos o privilégio de trabalhar ao lado do Pelé do gol no rádio só podemos agradecer.
Obrigado por nos dar a emoção de um grito de gol do nosso time. Obrigado por me dar a honra de ouvir você gritar gol ao meu lado. Obrigado por tantas vezes narrar gol do nosso time no meu telefone celular para os meus filhos ouvirem de casa em vez de ouvir pelo rádio. Obrigado por algumas vezes ter feito o mesmo para o meu pai que morria de medo de alguns jogos do nosso time. Obrigado por em Dortmund narrar Brasil 3 x 0 Gana na Copa de 2006 com a precisão e emoção de sempre e, ao desligar o microfone, desabar no choro pela Tianinha que adoecera em São Paulo antes de a bola rolar. Obrigado por narrar em Barueri um jogo nada apaixonante como se você fosse um adolescente apaixonado quando conheceu a Rose.
Amigos, isso eu posso soltar a minha voz: se ouvir um gol do nosso time narrado pelo Zé é maravilhoso, posso dizer, depois de 10 anos de trabalho na cadeira do lado, que ouvir até os gols que tomamos pelo nosso time são menos feios. Por que são narrados por um craque.
Parabéns pelos próximos 50 anos de rádio, Zé.
Para interagir com o autor: maurobeting@universidadedofutebol.com.br
*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.