Na última semana, o ex-jogador Tostão, sempre genial, relatou na "Folha de S.Paulo" uma tese que ele mesmo classificou como bizarra: "O Ganso atual, tão criticado, joga da mesma forma e com a mesma qualidade do Ganso do Santos, quando era endeusado. Mudaram apenas os olhares e as circunstâncias".
O excerto da coluna de Tostão é um exemplo claro de um dos maiores problemas em qualquer análise sobre esportes: a valorização excessiva dos resultados. Paulo Henrique Ganso não é necessariamente um jogador pior desde o período em que se destacou no Santos, mas é seguramente um atleta menos vitorioso.
No Santos que encantou e conquistou títulos, Ganso era genial. No São Paulo da crise e de 12 jogos consecutivos sem vencer, o meia é um problema. Ele foi barrado do time titular no último domingo, no clássico contra o Corinthians pelo Campeonato Brasileiro.
Pouco importa discutir se Ganso está realmente tão bem quanto no auge que ele viveu quando vestia a camisa do Santos. A questão aqui é outra: como o resultado influencia qualquer análise no futebol.
Para isso, Cuca também serve como exemplo. Campeão da Copa Libertadores na última quarta-feira, o técnico desabafou. Comemorou efusivamente por ter findado a pecha de azarado e por ter se livrado do rótulo de perdedor.
Cuca não se transformou em um bom treinador porque venceu a Libertadores. O Atlético-MG é um time organizado há tempos, como têm sido as equipes dirigidas pelo treinador.
O mesmo vale para o Corinthians. Tite tornou-se um técnico mais badalado depois de um ciclo vitorioso no time do Parque São Jorge, mas não virou um treinador melhor por causa disso. No futebol, o reconhecimento depende intrinsecamente da quantidade de láureas.
Esse é um dos aspectos mais cruéis do esporte, aliás. Não são poucos os casos de atletas fantásticos, com desempenhos expressivos, que convivem com famas ruins só porque carecem de resultados.
Em modalidades individuais, contudo, é fácil medir quanto um atleta evolui e qual é a distância que ele ainda precisa percorrer até o topo. Esportes coletivos convivem mais com questões intangíveis.
O time que vence um campeonato, sobretudo em casos de formatos com jogos eliminatórios, não é necessariamente o melhor. O dono da taça é necessariamente o mais bem preparado para aquele formato e para aquele momento.
É o que o comentarista Paulo Calçade, dos canais "ESPN", costuma dizer sobre a Copa do Mundo: trata-se apenas de um retrato de um mês. Há casos em que o melhor time conquista a competição, mas existem vencedores que eram apenas os mais prontos no período em que o certame foi disputado.
A dificuldade de analisar esportes coletivos é transformar aspectos abstratos em elementos tangíveis. Os títulos e as vitórias são maneiras de dar parâmetros ao desempenho.
A discussão é: são parâmetros corretos? Listar conquistas e dizer quais foram os pontos finais de um trabalho são elementos suficientemente completos para embasar análises?
Ouvi de um jogador certa vez que um técnico da primeira divisão brasileira era extremamente mal preparado. Segundo o atleta, o comandante conhecia pouco de aspectos táticos e técnicos, mas sempre havia contado com bons auxiliares.
Além disso, de acordo com o jogador, o técnico era um motivador sensacional. Ele podia não montar bons treinos e podia não ter domínio sobre as ações táticas de um jogo, mas conseguia fazer com que todo o elenco corresse mais.
Em um esporte de alto rendimento, é impossível isolar componentes. Um time não ganha apenas porque corre mais ou porque está mais bem postado. Qualquer resultado é um reflexo de uma interação entre um número enorme de componentes de preparação e de tomada de decisão.
Em 2000, Oswaldo de Oliveira era o técnico do Vasco. Contudo, ele teve um desentendimento com Eurico Miranda, que presidia o clube, e deixou a equipe. Joel Santana nas retas finais da Copa Mercosul e da Copa João Havelange, e o time carioca venceu as ambas.
Oswaldo de Oliveira montou todo aquele time, criou um padrão e estabeleceu uma série de atributos. Joel Santana foi o comandante campeão. Ainda que o sucessor tenha mudado aspectos decisivos ou que tenha feito alterações contundentes na formação do time, é inegável que o técnico anterior havia deixado bons frutos.
Um trabalho no futebol tem de ser assim, gradual, com diferentes etapas de desenvolvimento e objetivos bem definidos. Só assim é que os resultados podem passar a ser vistos apenas como detalhes.
Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br